1 O funcionamento da CPI das Gémeas na Assembleia da República (AR) revelou, nos últimos dias, mais um episódio picante, desta feita o pedido do Presidente do Parlamento ao Conselho Consultivo (CC) da PGR acerca da legalidade da obtenção das comunicações privadas atinentes ao assunto em questão.

Percebendo-se o incómodo das suscetibilidades feridas, por um lado, e da necessidade da preservação de segredos legítimos, por outro, eis que se descobriu a “saída airosa” de solicitar aquele parecer, pelo caminho se esquecendo que também estão previstos auditores do MP na AR, nos termos do art. 51.º do Estatuto do Ministério Público (EMP), o que é outra bizarria…

Salvo o devido respeito, este é um caso em que a AR bem mostrou as suas debilidades, contribuindo – decerto incautamente e em processo de “autoflagelação” – para a “judicialização da fiscalização político-parlamentar” da atuação dos órgãos de Estado não judiciais. 

2 Ninguém dúvida de que o EMP prevê a possibilidade de o CC da PGR considerar pedidos de parecer por parte do Presidente da AR, nos termos do seu art. 43.º, a elaborar em 60 dias.

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Porém, o problema está a jusante da emissão desse parecer, cujo teor nunca será inócuo, pois cuida-se de averiguar o respetivo valor jurídico, agora sem pensar nas conclusões a que vai chegar.

De acordo com o regime estabelecido, os pareceres do CC da PGR só são vinculativos como interpretação oficial se forem homologados.

E homologados por quem? Pela entidade que os pediu: portanto, toda a AR, na sua diversidade político-partidária, dispondo da competência legislativa primária – e secundária para interpretar ou alterar toda a legislação – ficará nas mãos de uma decisão singular do seu Presidente, da qual nem cabe recurso para o plenário.

3 No entanto, imagine-se que o parecer não será homologado, decisão que é discricionária. Deixará de ter uma idêntica persuasão? Claro que não porque logo será criticada a decisão de não homologar.

Deste modo se confirma como o erro é certo e está no início: nunca este pedido deveria ter sido feito porque acarreta o risco enorme de fazer instalar o CC da PGR dentro do Parlamento, tornando o CC num “supremo legislador” da República!

Não se questiona a qualidade dos seus membros, mas os seus pareceres não têm o valor das leis que só a AR faz, misturando-se perigosamente sensibilidades distintas, como são distintas as vertentes da intervenção da AR nas CPI’s e no seu poder legislativo e da intervenção do MP nesta sua função consultiva.

4 No plano da substância da matéria, há dificuldades óbvias que podem levar à tentação de menorizar a função parlamentar de fiscalização política, logo reconhecida pela CRP como a primeira competência da AR.

A Lei dos Inquéritos Parlamentares (LIP) tem tido alguns importantes aperfeiçoamentos, designadamente no tocante à proteção dos segredos, o que suscitava dúvidas perante os poderes equiparáveis das CPI´s aos da investigação criminal.

Mas “equiparáveis” não quer dizer “iguais”, até porque os seus meios têm de ser entendidos segundo a redução teleológica decorrente do facto de as CPI´s não acusarem, não julgarem e não condenarem criminalmente.

5 Não se crê que do pedido de parecer se possa adiantar muito mais àquilo que já decorre da própria LIP, se bem interpretada nas suas soluções melhoradas.

Se as requisitadas conversas em causa não existirem, nada a decidir perante o nada que elas significam, o que será o mais certo. E mesmo existindo, há sempre a possibilidade de já terem sido enviadas ou, ao contrário, de não pertencerem ao mundo dos factos porque, entretanto, já foram apagadas e muito bem apagadas.

Contudo, se existirem e ainda não entregues, impõe-se saber se o seu interlocutor considera as mesmas protegidas por algum segredo, todos já referidos na LIP, à exceção do segredo da vida privada, que deve ser acrescentado, podendo tais segredos ser quebrados pelo STJ.

6 O maior melindre, no regime destes segredos, é o do sigilo das comunicações privadas, cuja inviolabilidade está garantida pelo art. 34.º da CRP, esta só admitindo a sua derrogação “…nos casos previstos na lei em matéria de processo criminal” (n.º 4).

Apesar de os poderes das CPI´s, segundo o art. 178.º, n.º 5, da CRP, serem “…os poderes de investigação próprios das autoridades judiciais”, a amplitudes dos meios, no sentido da tal equiparabilidade, é mais limitada: quer atendendo às garantias que o processo criminal possui nos que investigam ou julgam, as quais não existem nos trabalhos das CPI’s; quer nos efeitos que deste resultam, como censura criminal, e não apenas político-parlamentar, ou socio-mediática.

A CPI das Gémeas não está impedida de solicitar tudo aquilo que muito bem entender por pertinente com o seu objeto, até porque lhe falece a capacidade de, por antecipação, saber o teor das comunicações e da sua subsunção nas regras dos vários segredos aplicáveis.

Cabe ao visado por cada concreto pedido discernir a existência de tal segredo, o qual depois é ou não quebrável segundo a sua natureza, nos termos expostos.

Veremos, ou não…