Quando duas pessoas se encontram pela primeira vez, cada uma avalia subconscientemente a outra durante uns segundos, com base em expressões faciais, linguagem corporal e outras pistas não verbais. Aí se forma uma impressão inicial sobre aspetos como confiabilidade e empatia.
No Paleolítico, estes momentos eram determinantes para a sobrevivência, mas a organização em sociedade alterou a origem das nossas preocupações. A necessidade de confiança, sendo inata, passou a estar presente em questões menos imediatas, mas mais intrincadas. Foi o caso da aliança entre os reis do Império Neoassírio e da Babilónia, que há quase três mil anos deu origem à mais antiga representação de um aperto de mão. De então para cá, os negócios evoluíram, mas continuaram marcados por incerteza e assimetrias de informação. Se confiar incondicionalmente não faz sentido, também é verdade que o instinto defensivo leva as pessoas a um foco excessivo e precoce em interesses próprios, que as impede de explorarem opções melhores para ambas as partes. Com emoções e ego à mistura, é tentador “esmagar” a contraparte, ignorando que negociar um total de 200 é quase certamente mais vantajoso do que insistir em 99% de 100.
A confiança é um conceito próximo da reputação. Esta não pode ser forçada, nem fingida. Pode demorar anos a construir, mas basta um segundo para a arruinar. De forma transversal, a confiança tornou-se a peça mais importante de sistemas políticos, transações económicas, utilização de tecnologias e no acesso a informação. Hoje, sabemos que a diferença entre pobreza e prosperidade assenta na qualidade das instituições e a confiança que estas inspiram (ou não) determina as ações dos indivíduos e o curso das sociedades. Países em que há mais confiança no sistema judicial, nos direitos de propriedade e nos órgãos governativos e reguladores, conseguem criar um ambiente mais favorável ao investimento, à inovação e à redução da corrupção, promovendo a cooperação e ação coletiva necessárias ao desenvolvimento económico. Isto acontece porque são as instituições fortes, com regras transparentes e justas, que permitem às sociedades beneficiar quando os seus membros prosseguem interesses individuais.
Vejamos um caso concreto em Portugal. Nos últimos 10 anos aumentou significativamente o número de startups, scaleups, incubadoras, aceleradoras, business angels e fundos de venture capital. Este ecossistema tem características próprias a nível de tomada de risco, velocidade de experimentação e apetite pelo crescimento e constitui uma via para oportunidades económicas, adicional a outras formas de empreendedorismo e inovação naturais numa economia de mercado. Dinâmicas próprias necessitam de regras próprias e foi através da interação entre o setor privado e o Estado que se foi criando um quadro institucional mais adequado a este setor. Isso incluiu a criação de uma Secretaria de Estado própria em 2011, o aparecimento de agentes nacionais como a Portugal Ventures (2012), a ANI (2014) e a Startup Portugal (2016), e contou com o grande trabalho de outros organismos espalhados pelo país, como o Instituto Pedro Nunes (1991), a UPTEC (2007), a Startup Lisboa (2012) e a Startup Braga (2014). Além disto, a WebSummit é realizada em Portugal desde 2016 e o país passou a ter uma Estratégia Nacional para o Empreendedorismo. Já em 2023, foi aprovada a chamada “Lei das Startups”, onde também se registaram progressos na área da fiscalidade.
A comprovar esta nova realidade, algumas métricas da primeira edição do programa Technology Fast 50 Portugal[1], da Deloitte, demonstram que muitas das 50 tecnológicas portuguesas de mais rápido crescimento beneficiaram diretamente deste ecossistema. Várias foram incubadas nestas instituições e 20 receberam investimento de venture capital/private equity que não estava disponível há 10 anos. Em 2022, atingiram um volume de negócios de cerca de €550 milhões, com exportações de €250 milhões, e um crescimento médio de 400% desde 2019. Apenas 20% ainda não atingiram o break-even. A importância que o setor adquiriu na esfera pública também é visível no impacto que tiveram alguns intervenientes que recentemente se opuseram ao fim das parcerias entre o Estado português e universidades americanas de topo.
Os principais responsáveis por este sucesso foram, obviamente, os fundadores, os trabalhadores e os investidores que arriscaram nesses negócios. É verdade que houve uma tendência internacional movida por razões mais profundas, incluindo a disseminação do modelo de venture capital americano, o progresso tecnológico, a experiência internacional adquirida por muitos fundadores e o aumento de qualificações em áreas-chave. Também foram adotadas medidas semelhantes noutros países. Ainda assim, sem confiança nas condições existentes em Portugal (e seguramente muita autoconfiança), dificilmente algum destes empreendedores teria arriscado lançar uma startup, sabendo que a taxa de sucesso é estatisticamente muito baixa. A sustentabilidade e os progressos nesta área dependem deste quadro institucional e da capacidade de o melhorar. Um dos grandes desafios será o devido aproveitamento do valor gerado por estas empresas, incluindo a manutenção das sedes, operações e stakeholders relevantes no país.
O desenvolvimento de instituições de qualidade é complexo e sujeito às contingências da História. Há quem diga que o surgimento de modelos descentralizados irá retirar importância aos Estados na promoção de confiança institucionalizada. Isso seria motivado por tecnologias como a blockchain, mas ainda só é concebível em nichos muito específicos. Certo é que a confiança continuará a ser determinante para os humanos e há boas razões para nos focarmos nisso.
[1] Programa que reconhece as 50 tecnológicas nacionais que mais cresceram percentualmente entre 2019 e 2022, sob condição de volume de negócios superior a €50 mil em 2019 e €1 milhão em 2022.