Recentemente, o governo espanhol anunciou a suspensão do IVA para os alimentos básicos durante 6 meses como parte de um pacote de medidas para atenuar a perda de poder de compra dos cidadãos espanhóis face à inflação verificada durante o ano. A notícia foi replicada em Portugal com grande fulgor nos media e redes sociais seguida da comparação e indignação com os apoios executados pelo governo português, em particular o famoso “cheque do Costa” de 125€ para cada cidadão que aufira menos de 2.700€ mais 50€ por cada filho.
Em primeiro lugar, importa que nos consciencializemos que, por diversas variáveis macroeconómicas que não caberiam num artigo, a gestão de um cenário económico de inflação extraordinária é bastante complexa. Não há espaço para grandes aventuras dada a imprevisibilidade das consequências de qualquer choque na procura. Por isso, se algum governo anunciar uma medida que parece muito popular e com grande impacto na vida das pessoas, desconfie. À partida é só isso: popular.
Transpondo a medida para a realidade portuguesa, coloquemos o cenário em que o IVA para alimentos básicos era suspenso. Significaria isso que uma boa parte dos bens tributados a 6% deixariam de o ser. O impacto dessa medida é difícil de medir com precisão, pois não é certo que o preço dos bens baixasse na mesma proporção, mas vamos assumir um cenário ótimo em que os principais retalhistas baixavam em 6% o preço de todos os bens alimentares sujeitos a essa tributação.
Ora, de acordo com o Pordata, os últimos dados sobre o consumo de bens alimentares e bebidas dizem-nos que em 2021 os portugueses gastaram cerca 28,7 mil milhões de euros neste tipo de bens (com tabaco incluído). Simplificando, se tivermos em consideração que temos 10 milhões de habitantes isto dá qualquer coisa como 2.879€ por habitante. Infelizmente, não é possível encontrar dados sobre a proporção do valor gasto em bens tributados a 6% ou 23%, mas mesmo assumindo que a totalidade seria tributada a 6% (que deduzo que não seja sequer metade tendo em conta que até o tabaco entra nestas contas), significaria que uma redução de 6% no preço destes bens se refletiria numa poupança média anual de cerca de 173€ por habitante. Tendo em conta que a suspensão em Espanha é de apenas 6 meses, então a poupança reduz-se para cerca de 86€, consideravelmente abaixo do “cheque” do nosso Primeiro-Ministro.
Olhemos também para o custo médio de um cabaz básico de consumo alimentar divulgado recentemente pelo Banco de Portugal, dividido por faixas etárias: 95€ para crianças de 2 anos, 169€ para adolescentes de 14 anos e 155€ para um adulto com 40 ou mais anos. Fazendo o exercício para uma família com 2 adultos, 1 adolescente e uma criança, o consumo mensal é de 574€, o que, caso o IVA fosse suspenso, resultaria numa poupança anual de cerca de 413€ ou 206€ no caso da suspensão ser de apenas 6 meses. Para o mesmo agregado familiar, o “cheque do Costa” seria de 350€, consideravelmente acima dos 206€.
Podemos argumentar que o apoio do governo português não se destinou a todos os cidadãos, mas “apenas” àqueles que auferiram 2700€ mensais ou menos no ano de 2021, apesar deste critério abranger uma grande fatia da população portuguesa que seria prejudicada se a opção do governo fosse suspender o IVA da mesma forma que anunciou o governo espanhol.
Feitas as contas, é claro que uma suspensão do IVA para os alimentos básicos seria mais uma ajuda no apoio às famílias, mas é injusto e desonesto anunciar que por comparação com a medida implementada pelo governo português o impacto seria muito maior e mais desejável, principalmente tendo em conta que o IVA não afeta da mesma forma todas as pessoas e muito menos é certo que o preço dos alimentos baixasse efetivamente na mesma proporção.
Creio que ambas as medidas podem ser encaradas como positivas para atenuar a perda de poder de compra e entendidas como parte de um pacote de medidas para apoio às famílias, mas se tivesse de optar por uma delas, parece-me fazer mais sentido apoiar diretamente os contribuintes dado o impacto, a eficácia e a justiça da medida. Colocando em perspetiva, parece que o nosso governo optou por um caminho menos popular, mas mais eficaz e justo.