Confesso que não esperava escrever sobre o final do costismo nas atuais circunstâncias. Em qualquer outro contexto num país com os desafios económicos que Portugal enfrenta há mais de 50 anos, estaria a celebrá-lo, mas hoje encontro-me apreensivo.

Em 2015, votei no Partido Socialista com convicção. Era António Costa candidato pela 1ª vez a Primeiro-Ministro. Votei porque sou progressista e moderado, porque não aguentava ver mais um Governo a desfazer a economia portuguesa em nome de uma teoria económica sem lógica, mas, acima de tudo, porque reconhecia nele o espírito reformista que Portugal precisava pelo trabalho desenvolvido em Lisboa transformador e positivo.

E é aqui que reside a minha desilusão. Ao contrário do que é anunciado recorrentemente, não é na conceção do Orçamento do Estado, na carga fiscal ou nos indicadores económicos que, a meu ver, reside o problema dos governos liderados por António Costa. Aliás, a oposição, ao insistir na crítica ao Governo nesse domínio, tem deixado António Costa bastante confortável e isso explica uma grande parte do sucesso eleitoral do PS.

Aquilo que deve mover um Governo, principalmente um Governo de maioria absoluta num país que tem vindo a fazer um caminho brilhante na qualificação da sua população, mas decrescente na qualidade dos serviços públicos e competitividade da sua economia nas últimas décadas, não encontramos nos Governos de António Costa e era desejável que o encontrássemos. Muitos dos problemas que o país reproduz ano após ano merecem um debate público generalizado que um Governo de maioria absoluta deveria ser capaz de promover (e onde a oposição deveria estar focada, pelo menos, desde 2017 quando se percebeu que não viria qualquer “diabo” a caminho) e implementar. Principalmente no que respeita ao perfil do investimento dos portugueses, ao imperativo moral que é aumentar o investimento público e, particularmente, às reformas profundas que se impõem no sistema de saúde e de educação. Não o fez.

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Ainda assim, o legado de António Costa será o do cumprimento daquilo a que se comprometeu com o seu eleitorado desde o primeiro dia: suspender todos os cortes de rendimento e a maioria do agravamento fiscal impostos pela troika e, em simultâneo, uma gestão responsável das finanças públicas, retoma do crescimento económico e do emprego, melhores salários, menor desigualdade e recuperação da credibilidade da economia portuguesa. E, face a qualquer Primeiro-Ministro que lhe antecedeu, deixou uma grande marca sob este ponto de vista. Não só a melhoria de todos os indicadores económicos e da riqueza dos portugueses são inequívocos, como qualquer Governo que hoje tome posse, jamais terá a coragem de dizer que “os cortes nos salários deverão ser permanentes” ou que “a subida do salário mínimo só irá trazer mais desemprego” como num passado tão recente.

Verdade seja dita, se a primeira função de um Governo é garantir o normal funcionamento do Estado, a segunda é, com toda a certeza, garantir a credibilidade da República Portuguesa junto dos cidadãos e dos seus parceiros internacionais. E é aqui que reside a minha apreensão.

O clima tóxico que tem sido explorado até ao mais ínfimo detalhe patrocinado pelos meios de comunicação social e pela maioria dos partidos políticos é incompreensível num país que tem atravessado conjunturas muito desfavoráveis com relativo sucesso nos últimos anos. E, por norma, o barulho é inimigo da razão. Se é verdade que António Costa não teve o espírito reformista que se impunha, dificilmente vemos algo de positivo nas bancadas da oposição. À esquerda, um total desalinhamento com a política externa protagonizada pelas instituições das quais Portugal faz parte, impedem que o país tenha a mínima credibilidade se governassem (salva-se o Livre). À direita, o PSD passa por uma crise de identidade e está rodeada de partidos demasiado dogmáticos e populistas.

O cenário político que se avizinha será caótico. A presumível queda para o precipício do PSD e o agravar do descrédito do PS, misturado com um país que se adivinha de muito difícil governação, irão contribuir para um descrédito do próprio país, à semelhança do que temos assistido na Grécia, Itália ou França (sim, a estabilidade política e legislativa é um fator muito mais importante do que qualquer visto Gold ou programa de residentes não habituais para atrair investimento e confiança dos agentes económicos). Mas pode consistir numa oportunidade.

Face a este cenário temos 2 caminhos possíveis: ou deixamo-nos estar assim com 2 blocos de esquerda e direita bem definidos que bloqueiam uma agenda reformista de partidos de Centro. Ou mentalizamo-nos de uma vez por todas que mais de 50% dos eleitores votam no espetro do centro e é daí que esperam que saia um Governo. Se os partidos tradicionais estão desacreditados, convoquemos os sociais-liberais que se encontram perdidos nos 2 partidos de Governo. Espicacemos a elite económica e os game changers que daí possam surgir. Sequemos os partidos se necessário, como fez Emanuel Macron em França com o movimento Republique En Marche.

Para quem, como eu, provém de famílias que apenas viram o elevador social funcionar após Portugal se consolidar como uma democracia ocidental e jamais imaginou a possibilidade de ver saudosistas do Estado Novo no Governo a participar nas comemorações dos 50 anos do 25 de Abril, pois então que nos motive.

Estamos mais que a tempo, os franceses colocaram a Republique En Marche com atraso, nós podemo-nos antecipar. Que se coloque hoje a República Em Marcha.