Recentemente tive o privilégio de ser mentora num dos mais interessantes programas de aceleração de start-ups deste nosso cantinho – é um programa internacional, que me permite contactar com empreendedores de todo o mundo, de áreas muito distintas das que chamo as “minhas”, e que me ensina sempre muitíssimo pois foca-se na “Blue Economy”, com uma componente enorme de biotecnologia.

Nas várias sessões de mentoring que conduzi, um tema apareceu como fulcral nas preocupações dos fundadores e fundadoras: “como financiar a minha start-up?”

Eu confesso que ia mais preparada para falar de estratégias de entrada no mercado, mas rapidamente ajustei os neurónios para o desafio que me era posto – afinal, o cliente é rei e ali as start-ups eram o cliente.

Desde então tenho pensado ainda mais no assunto e hoje atrevo-me a partilhar aqui as minhas ideias, sob a forma de três pistas de reflexão para empreendedores e empreendedoras que partilhem a mesma preocupação.

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“Que tipo de financiamento é o mais adequado à minha start-up?”

Os ecossistemas de empreendedorismo estão muito centrados no financiamento através de business angels e fundos de capital de risco, mas estas não são as únicas formas de arrancar com um negócio.

Quando se faz uma busca online sobre conselhos nestas matérias, a primeira coisa de que nos apercebemos é a frequente comparação entre a financiamento profissional da start-up e o casamento. Realmente, ambos são um contrato, ambos se querem de longa duração e em ambos os casos há uma séria redução da autonomia de decisão individual (ainda que muito construtiva). E, bom, nem sempre são a opção adequada para um dado indivíduo ou start-up.

Para uma start-up, os fatores fundamentais de base a esta decisão são o modelo de negócio pensado para e o montante e tempo de investimento necessários até entrar no mercado e começar a vender – quanto mais distante for o momento da primeira venda e quanto maiores os investimentos necessários para lá chegar, mais apropriado será recorrer a este tipo de financiamento.

Exemplos de negócios com estas características são aqueles que assentam num modelo “freemium”, que obrigam a um grande investimento na construção de uma comunidade de utilizadores, que nada pagam para usar o serviço – LinkedIn, Facebook, Canva são exemplos muito conhecidos – e aqueles que requerem a criação de infraestruturas pesadas, sejam físicas (como instalações ou hardware) sejam tecnológicas (software ou mesmo pesquisa e desenvolvimento) – como exemplo, as start-ups no setor da biotecnologia, com pipelines de investigação muito longos, ou uma Space X, que dispensa qualquer explicação.

No caso contrário, bootstrapping e o crowdfunding podem ser formas muito interessantes de financiar a criação de negócios com baixo nível de investimento inicial e tempos de entrada no mercado mais curtos. No bootstrapping a atividade da empresa é financiada por fundos gerados pela própria atividade. No crowdfunding há uma receita antecipada de venda dos produtos ou serviços, que permite à start-up investir na sua produção.

Há um outro fator a ter em conta na escolha entre formas alternativas de financiamento: se o sucesso da start-up estiver dependente da velocidade com que conquista mercado, por razões de concorrência ou outras, então a única forma de financiar é o que chamamos blitzscaling – um crescimento aceleradíssimo da empresa para gerar valor por efeito escala ou de rede – será mesmo com recurso a capitais elevados o que implica investidores profissionais.

Como escolher o melhor VC para o meu negócio?

Feita a escolha pelo financiamento com recurso a business angels ou fundos de capital de risco, então relembro o paralelo mencionado com a mais querida instituição da nossa vida civil e, como precaução, sugiro as seguintes pistas para reflexão:

Em primeiro lugar, importa avaliar a experiência e profissionalismo dos potenciais financiadores, no geral e no setor em questão. A maior experiência do investidor poupa muitas conversas difíceis e aumenta o potencial de sucesso do negócio.

Também uma compreensão do modelo de negócio escolhido e do ciclo de vida do negócio são fatores positivos a assegurar antes de qualquer formalização contratual. Imagine-se o cenário de uma start-up que necessita de um tempo longo de pesquisa para se poder lançar. A última coisa de  que precisa é de um investidor cuja política de investimento requer um horizonte de saída curto e que vai pressionar sobre resultados a partir do primeiro semestre.

Além do horizonte de investimento, os fundos de capital de risco e outros financiadores do ecossistema poderão ter outro tipo de condicionantes a impor às suas participadas, que poderão ser aceitáveis ou não para a start-up – o momento de fazer perguntas é antes de assinar o contrato!

Há ainda o tema da saída. Todos os investidores profissionais investem já com ideia de como irão “sair” do investimento, ou seja, quando e a quem irão vender a sua participação e, espera-se, realizar as suas mais valias. Também aqui vale a pena confrontar a visão do investidor com a do empreendedor, que no futuro terá de viver com o resultado dessa situação.

A minha start-up está preparada para receber investimento profissional?

Uma última pista de reflexão diz respeito novamente à start-up e à própria equipa fundadora, se estarão prontas a receber investimento externo.

Logo para começar, antes de iniciar uma busca de investidores deve ser definida uma visão clara de quanto capital será necessário e de como irá ser aplicado para que a start-up se possa desenvolver como desejado.

Temas como a estrutura da empresa, a equipa, os objetivos e o plano de ação vão condicionar a utilização dos fundos e podem ser um facilitador do crescimento e sucesso, ou, pelo contrário, um fator de insucesso.

Um investidor profissional é mais um stakeholder a gerir pela start-up. O investidor vai precisar de tempo de antena, que pode ser mais ou menos formal, conforme os casos, mas que de qualquer forma precisa de ser previsto – quem é o interface interno, que tipo de informação vai precisar, com que regularidade, etc…

Enfim, a estratégia de financiamento de um novo negócio é um tema relevante, que merece tanta atenção como a estratégia do próprio negócio.

E, no final do dia, o fundador da start-up é quem tem a última palavra e depois de ler toda esta lista de tópicos e de factos objetivos, vai também sentir com que caminho mais se identifica e tomar as suas decisões, porque ser empresário é isso mesmo – saber tomar decisões!