A Europa acordou em alvoroço com o desfecho das eleições americanas. Ficámos muito surpreendidos com os resultados pois contrariamente ao que nos diziam as incontáveis sondagens e estudos de opinião, ganhou o candidato republicano e portanto, os próximos quatro anos estadunidenses serão marcados por um anunciado proteccionismo económico e presumível afastamento da Europa como principal parceiro comercial.

Cabe-nos olhar para dentro e perceber que os problemas que a Europa actualmente atravessa não são culpa do presidente Trump, tampouco do povo americano: os problemas que atravessamos são o resultado de décadas de impreparação e negligência por parte dos lideres europeus, que permitiram que nos tornássemos na Europa das capitais turísticas e da boa gastronomia, que na sua bolha vive impávida e serena vendo o mundo a avançar. Cabe-nos a nós, e só a nós, mudar o estado a que chegamos.

São vários os assuntos aos quais devemos responder na próxima década, se pretendermos não cair na irrelevância internacional. Debruçar-me-ei brevemente sobre cinco –  Defesa, Agricultura, Energia, Imigração e Relações Externas – por me parecerem os mais urgentes.

1 – Defesa

No momento em que escrevo este texto, trava-se uma guerra no espaço europeu, que se arrasta há mais de 2 anos. Se esta guerra nos veio provar algo, foi a incapacidade das potências europeias em proteger a integridade do seu território: a incapacidade da Europa em garantir as suas fronteiras. Não fosse a ajuda bélica americana, os invasores russos teriam tomado na quase totalidade o território Ucraniano, face a uma parca resistência europeia. Uma Europa incapaz de se defender, nunca poderá ambicionar ser vista com seriedade e respeito por outras potências mundiais.

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Desde 2016 que o presidente Trump pressiona as potências europeias a cumprir os seus compromissos transatlânticos, nomeadamente no robustecimento do investimento em equipamento e infraestruturas de Defesa, a 2% do PIB. Oito anos se passaram e a Europa ignorou os avisos. Urge portanto, um amplo reforço interestadual na Defesa Europeia e no alcance dos compromissos da OTAN. Importa dizer que esta organização, não tem como propósito a guerra mas sim, a dissuasão de possíveis invasores através da existência de um exército poderoso e coeso, mas também a manutenção da paz e interajuda entre os estados que a integram. Um reforço da capacidade Europeia em dar resposta a um conflito armado é hoje, mais urgente que nunca.

2 – Agricultura

Vive-se um clima de instabilidade económica na Europa provocada pela invasão Russa, que trouxe à tona a fragilidade produtiva Europeia. Percebemos a nossa dependência no abastecimento de cereais (cerca de 25% do abastecimento europeu de cereais tinha origem na Ucrânia) e a nossa incapacidade em dar uma resposta comunitária à procura interna. Mas na “Europa Legislativa”, as escolhas políticas preferiram a imposição de quotas produtivas e a atribuição de subsídios aos agricultores e produtores para que destruíssem o excesso da sua produção. Nos anos 90, em Portugal, pescadores destruíam embarcações e produtores, nomeadamente de leite, descartavam milhares de litros de leite, com vista à obtenção de subsídios para a não produção.

É necessário que se mude o rumo produtivo da Europa: é urgente a reversão da Politica Agrícola Comum, para que os produtores europeus possam ser livres de produzir. É necessário promover e apoiar produtores de pequena escala e menor dimensão, conferindo aos Estados-membros maior autonomia no estabelecimento de industrias locais estratégicas que dêem resposta à procura interna. De igual modo, é necessário o estabelecimento de relações internacionais de comércio que promovam a exportação de bens europeus, em vez da atribuição de subsídios para a inércia. A procura de novos mercados internacionais para venda de produtos alimentares europeus é um incentivo à prática da actividade e ao aumento da produção e do abastecimento autónomo alimentar.

3 – Energia

A Europa atravessa também uma crise de eficiência energética sem precedentes, aprofundada pela tensão diplomática com a Rússia. A dependência no abastecimento de combustíveis como o gás natural e o petróleo vieram fragilizar a posição europeia. A falta de infraestruturas adequadas e fontes alternativas de energia tem implicações sérias na segurança energética e na eficiência do sistema Europeu. Mas o grande problema da crise energética não é só ao nível estadual: tem uma implicação direta na vida dos cidadãos, na nossa vida. A fraca oferta energética, resulta num inevitável aumento dos preços que é sentido por todos nós na factura que pagamos.

Face a isto, uma remodelação séria do mercado energético europeu é obrigatória para assegurar a manutenção da qualidade de vida dos cidadãos na Europa. É necessária uma rápida adaptação a novas fontes de fornecimento através de uma ampla aposta em soluções mais eficientes e em energias renováveis, mas também a promoção de novos parceiros comerciais, estabelecendo relações com outros países nomeadamente na América do Sul, de modo a garantir a eficiência e soberania energéticas.

4 – Imigração

As políticas migratórias dos últimos anos têm-se revelado um fracasso e a Comunidade Europeia depara-se com desafios aos quais não está a conseguir dar resposta. Sendo o destino preferencial de migrantes de todo o mundo, não só pelas condições geográficas, mas também pelo reconhecimento de direitos fundamentais como a saúde, a educação ou a segurança, a Europa afigura-se como um espaço atractivo que acolhe quem precisa. No entanto, essa solidariedade não deverá ser tal, ao ponto de acolher sem critério nem capacidade de resposta, que consequentemente resultará no desvirtuamento do modo de vida europeu. Deve ser sempre preservada a cultura europeia, inspirada numa matriz judaico-cristã e de defesa inequívoca dos direitos humanos.

Ao acolher, deve ser tida em conta a capacidade dos Estados membros em proceder a um acolhimento digno e com humanidade que proceda à efectiva introdução e integração no modo de vida e nos valores europeus através da introdução de políticas migratórias mais robustas e eficazes, que protejam os cidadãos europeus e quem para cá queira vir. De igual modo, deve ser altamente combatida a imigração ilegal, através da protecção das fronteiras europeias e, caso seja necessário, proceder à repatriação daqueles que não cumprem os requisitos legais para entrar ou permanecer no espaço europeu.

5 – Relações Externas

No campo das relações Internacionais há também muito a fazer e curiosamente, Portugal pode ter um papel fundamental na criação e manutenção dessas relações. A Europa deve olhar para as economias emergentes do continente Africano ou da América do Sul como uma oportunidade para aprofundar relações diplomáticas e comerciais.

Neste campo, Portugal tem uma localização geográfica altamente estratégica sendo a porta Europeia para o Atlântico, podendo tirar proveito dessa posição de forma muito benéfica. Se isso não bastasse, a nossa posição diplomática dentro de comunidades como os PALOP ou a CPLP fazem do nosso país um parceiro primordial no estabelecimento de relações internacionais com o Brasil, Angola ou Moçambique.

Talvez seja desta, que a velha Europa acorde para os desafios geopolíticos com que se depara e para os quais não está preparada. O novo rumo escolhido pelo povo americano não deve ser encarado com suspeita, mas sim como uma chamada de atenção para a necessidade de reforço da posição europeia no contexto internacional.

Cabe aos lideres Europeus fazer uma escolha: podemos continuar a ser a velha Europa das capitais turísticas e da boa gastronomia, que na sua bolha vive impávida e serena vendo o mundo a avançar, ou podemos ambicionar ser a renovada Europa, com fronteiras seguras, produtora e exportadora, e líder da diplomacia mundial.