Passados mais de três anos desde que José Sócrates foi detido no Aeroporto de Lisboa e muitos mais anos desde que está à vista de todos que não poderia haver nenhuma explicação benigna para a sucessão de casos, suspeitas e comportamentos do ex-primeiro ministro, o PS vem agora confessar-se envergonhado desse passado. O pretexto imediato é a revelação do caso Manuel Pinho, de quem também dizem ter vergonha, e que parece ter inaugurado uma nova era em que afinal já não é preciso esperar pela condenação em tribunal para tirar ilações políticas. Veremos se é mesmo uma nova era ou se uma mera exceção ao comportamento de sempre. Mas a questão mais importante que se coloca, naturalmente, é saber se acham que este é o momento certo de fazer um mea culpa fingido para poderem voltar a não tocar no assunto e considerar como ilegítima qualquer referência feita por outros, ou se estão genuinamente envergonhados.
Caso esta “confissão” de altos dirigentes do PS seja para levar a sério, diria que o País espera que confessem a vergonha por muito mais coisas. Vergonha por terem conduzido o País à bancarrota; vergonha por terem pedido ajuda externa, por terem negociado e assinado o Programa de Ajustamento Económico e Financeiro e por logo a seguir se terem furtado a quaisquer responsabilidades quando se tratou de resolver os problemas que causaram; vergonha por continuarem, ainda, a defender que se o PEC 4 tivesse sido aprovado, os problemas do País teriam sido ultrapassados; vergonha por terem saudado a vitória do Syriza que ia mudar a Europa e por se terem tão rapidamente esquecido desses arroubos de entusiasmo e da própria Grécia, que desapareceu do debate político e das notícias, mesmo se as dificuldades dos gregos continuaram e continuam; vergonha por terem prometido que se iam opor à “ditadura alemã” no Eurogrupo (iam por os alemães “com as pernas a tremer”) e acabarem por ter o seu Ministro das Finanças como diligente promotor da tal “ditadura”; vergonha por terem clamado pela reestruturação da dívida como única solução para o País crescer e por terem convenientemente deixado cair o assunto; vergonha por se embevecerem com Hollande e, agora, com Macron, que pulverizou o Partido Socialista Francês e que se propõe fazer em França reformas que o PS ou não faz ou mesmo desfaz em Portugal; vergonha por terem hoje no Governo muitos dos mesmos que governaram com José Sócrates (e com Manuel Pinho, já agora) e que nunca viram nada, nunca suspeitaram de nada; vergonha pelas ruinosas PPP rodoviárias; vergonha pelos desastrosos contratos de swap nas empresas públicas que o Ministério das Finanças incentivou e não fiscalizou; vergonha pela instrumentalização política da CGD e pela sua descarada ocultação ao impedirem o funcionamento da Comissão Parlamentar de Inquérito; vergonha por fazerem aprovar orçamentos de Estado e executarem outra coisa qualquer, sem o respeito pelo Parlamento que se exige em democracia; vergonha pela forma como se aliaram a partidos que são anti-União Europeia (exceto para receber dinheiro dos cidadãos europeus, bem entendido), anti-Euro, anti-Nato, revelando que os princípios são menos importantes que os interesses; vergonha pela maneira como estão a desperdiçar mais uma, quem sabe a última, oportunidade de dar ao País uma perspetiva de futuro sem repetir os erros do passado.
A não ser assim, só posso terminar como comecei. Realmente, o PS não tem vergonha na cara.
Deputada do PSD