Com os investimentos adequados, a indústria da reciclagem pode contribuir para uma redução de 8,5% a 11,5% das emissões globais, tornando-se uma das mais importantes aliadas na luta contra as alterações climáticas.
Atualmente, o mundo gera cerca de 51.000 milhões de toneladas de CO₂ equivalente por ano, distribuídas entre setores como produção industrial (31%), energia (27%), agricultura e pecuária (19%), transportes (16%) e aquecimento e refrigeração (7%). Estes setores são as principais fontes de emissão de gases de efeito estufa (GEE), e, portanto, alvos centrais para qualquer estratégia que vise a mitigação climática de forma eficiente.
A luta pela redução dessas emissões tem concentrado muitos dos esforços, em novas formas de produzir, e muito pouco em repensar como consumir e alterar esses padrões de consumo. Desta forma, perde-se a oportunidade de coordenar ações com impacto direto na redução de resíduos e no ciclo de vida dos produtos. A inovação em setores estratégicos é muitas vezes pautada por uma série de compromissos com baixo impacto prático. Neste cenário, a indústria da reciclagem surge como um setor ainda subvalorizado, mas essencial, no caminho para um futuro sustentável, capaz de impactar diretamente na redução dos níveis de intensidade de carbono dos maiores setores emissores.
A revolução da reciclagem
Historicamente, a reciclagem tem sido tratada como o parente pobre da cadeia de produção, com investimentos limitados em inovação, pesquisa e desenvolvimento. Mas, ao olhar mais de perto, percebe-se o potencial disruptivo de uma indústria de reciclagem robusta, capaz de expandir o ciclo de vida dos materiais e de reduzir, de maneira eficaz, a procura por matérias-primas virgens, e consequentemente, o seu impacto na redução em envio de resíduos para aterro. Tal abordagem representaria um ganho relevante na redução das emissões associadas à produção industrial, onde o aço, o cimento, os têxteis e os plásticos são responsáveis pela maior parte das emissões do setor. Essa mudança, aliada a um investimento sério e continuado, poderia fazer da reciclagem uma aliada direta na redução das emissões em todos os setores emissores, com efeitos e impacto relevante:
Produção industrial (31%): A reciclagem de materiais como metais, têxteis e plásticos reduz a necessidade de extrair e processar matérias-primas, operações que representam elevados custos energéticos e de emissões em carbono. Ao utilizar materiais reciclados, estima-se uma redução nas emissões da produção industrial na ordem dos 10-15%, o que corresponde a uma diminuição global de 3-5%. Esta transformação não só reduz a intensidade carbónica como promove a independência de recursos naturais finitos.
Energia (27%): A recuperação de resíduos orgânicos e biomassa para geração de energia, e otimização nas perdas energéticas dos processos industriais podem ser uma alternativa sustentável à redução no consumo de combustíveis fósseis. O aproveitamento energético de resíduos e das perdas industriais, pode reduzir as emissões do setor elétrico em cerca de 5-8%, o equivalente a uma diminuição de 1,4-2% nas emissões globais.
Agropecuária (19%): A reciclagem de resíduos agropecuários e a sua transformação em biofertilizantes reduz a emissão de gases como o metano e o óxido nitroso. A utilização de compostos orgânicos derivados de processos de reciclagem em substituição dos fertilizantes convencionais pode promover uma redução de 10% nas emissões do setor, equivalente a uma diminuição de 1,9% nas emissões globais.
Transportes (16%): A indústria da reciclagem, em geral, pode permitir uma redução das emissões dos transportes de matérias-primas virgens, uma vez que a valorização de materiais reciclados, afeta positivamente as cadeias logísticas, pois podem ser valorizadas e reintroduzidas localmente, sem necessidade de grandes fluxos logísticos globais, este fator tem um impacto direto nas emissões do setor. A reciclagem no seu todo, pode contribuir para uma redução de aproximadamente 5% nas emissões dos transportes, o que representa uma diminuição de 0,8% nas emissões globais.
Aquecimento e arrefecimento (7%): A utilização de materiais reciclados no isolamento e construção de edifícios permite melhorar a eficiência energética, diminuindo as necessidades de aquecimento e arrefecimento. A adoção de técnicas de construção que integrem produtos reciclados e ecologicamente eficazes pode gerar uma redução de até 20% nas emissões do setor, equivalente a 1,4% das emissões globais. Esta solução permite que o setor da construção se aproxime das metas de baixo consumo energético, reduzindo a sua intensidade carbónica associada ao uso de energia.
Investimento em inovação
Para que a reciclagem se torne um verdadeiro motor de redução de emissões, é essencial que o investimento em investigação e desenvolvimento no setor seja levado a sério. Incentivos à inovação, parcerias com instituições de investigação e políticas de financiamento específicas para este setor devem ser prioritárias nas agendas climáticas globais.
Uma indústria de reciclagem inovadora e eficiente não apenas reduz as emissões, mas também potencializa a resiliência do planeta ao permitir que materiais e recursos tenham um ciclo de vida prolongado, maximizando a sua utilização e minimizando o desperdício. Ao transformar resíduos em recursos, as indústrias reduzem a pressão sobre os ecossistemas naturais e auxiliam na preservação da biodiversidade, estabelecendo um ciclo verdadeiramente sustentável. Ao investir seriamente em reciclagem, estaremos não apenas a reduzir emissões em setores-chave, mas também a promover uma mudança estrutural na economia global, focada na sustentabilidade e na preservação de recursos naturais.
É imperativo que se reconheça o investimento massivo nesta indústria como prioritário e se incentive a sua expansão com uma agenda coordenada. Com uma reciclagem fortalecida e inovadora, a luta contra a crise climática ganha um aliado robusto, capaz de transformar as metas de sustentabilidade em resultados concretos, gerando impactos mensuráveis em todos os setores que hoje ainda dependem de uma lógica de produção linear, portanto, altamente poluidora e prejudicial da sustentabilidade ambiental. O impacto potencial da reciclagem na redução das emissões globais, calculado de forma prudente entre 8,5% e 11,5%, evidencia a necessidade urgente de reconhecer este setor como uma prioridade na ação climática.