O The Economist publicou, no dia 15 de agosto, um artigo intitulado “The NHS Dentistry is decaying”, no qual o subtítulo questionava se o novo governo do Labour conseguiria travar o declínio que o Serviço Público de Saúde britânico, especificamente no setor da saúde oral, vinha enfrentando. O artigo detalha a deterioração que se verificou ao longo dos anos, em especial desde 2006, quando foram introduzidas reformas que agravaram a situação. Uma dessas reformas foi a criação de um novo contrato para o NHS, que não previa financiamento para a prevenção, apenas para a conclusão de tratamentos. As tabelas de pagamento foram fixadas independentemente da duração dos tratamentos, prejudicando sobretudo os pacientes que necessitavam de mais intervenções médico dentárias.

O mesmo artigo menciona que o financiamento para os serviços de saúde oral do NHS foi drasticamente reduzido, registando uma queda de quase um quinto, em termos reais, nos 12 anos até 2022-23. A pandemia de covid-19 agravou a situação, uma vez que muitos consultórios suspenderam as consultas de rotina, aumentando as listas de espera. Além disso, o êxodo de médicos dentistas para o setor privado intensificou-se, o que contribuiu para a escassez de profissionais no serviço público. Mesmo com este cenário, o NHS conseguiu gastar menos do que o orçamento previsto até março de 2023.

Esse artigo reflete uma realidade que também merece a nossa atenção em Portugal, sublinhando a necessidade de uma maior responsabilidade na implementação de políticas públicas na área da saúde, especialmente no setor da saúde oral. O investimento previsto no nosso Serviço Nacional de Saúde (SNS), como parte do Plano de Recuperação e Resiliência, destina verbas específicas para a aquisição de equipamentos, com o objetivo de equipar os centros de saúde com consultórios de medicina dentária. Este investimento, estimado em 8,55 milhões de euros, faz parte de uma estratégia delineada pelo anterior governo para reforçar o SNS como prestador de cuidados de saúde oral.

O relatório do grupo de trabalho Saúde Oral 2.0, promovido pela anterior Direção Executiva do SNS, visava recuperar o projeto iniciado em 2016 para integrar médicos dentistas nos cuidados de saúde primários, com o objetivo de implementar uma visão mais robusta e adequada às transformações em curso no SNS, especialmente com a criação das Unidades Locais de Saúde. O relatório apresenta um diagnóstico claro e propõe um conjunto de objetivos e recomendações a serem implementados até 2026.

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A reflexão promovida pelo artigo do The Economist vai além dos problemas financeiros e aborda também os desafios que a profissão de médico dentista enfrenta, bem como o impacto desses desafios na formulação de políticas públicas. Quantas vezes os recursos financeiros e as iniciativas disponíveis estão desatualizados ou inadequados para a realidade atual? Os problemas mencionados no Reino Unido são semelhantes aos enfrentados em Portugal: a falta de atratividade do setor público para os médicos dentistas, numa profissão em que a maioria dos profissionais atua no setor privado, sendo estes a assumir a grande parte da responsabilidade pelos cuidados de saúde oral da população. O programa Cheque Dentista, no âmbito do Programa Nacional de Promoção da Saúde Oral, é um exemplo de sucesso em Portugal, demonstrando que políticas públicas bem planeadas podem ter um impacto positivo quando adaptadas ao contexto nacional. Contudo, é necessário reforçar este tipo de medidas, para torná-las mais atrativas e acessíveis à população, particularmente face aos novos desafios, que são diferentes daqueles que existiam em 2008, quando o programa foi implementado.

A formação de médicos dentistas em Portugal continua a ser reconhecida internacionalmente, com muitos estudantes estrangeiros a procurarem as nossas universidades privadas. Este facto reflete o reconhecimento da qualidade destas instituições, enquanto as faculdades públicas cumprem o papel do Estado, garantindo o acesso universal aos estudantes, independentemente da sua condição social e económica, permitindo-lhes, assim, aceder à profissão. Tanto as faculdades públicas quanto as instituições privadas situadas nos grandes centros urbanos poderiam desempenhar um papel ainda mais relevante na otimização das políticas públicas de saúde, especialmente em regiões com maior necessidade de cuidados de saúde oral, onde a oferta no setor público é insuficiente e uma parte significativa da população enfrenta dificuldades económicas e exclusão social e cultural. Um acordo de parceria beneficiaria tanto os jovens estudantes, ao promover a formação pré e pós-graduada, quanto o sistema de saúde, sendo também uma importante fonte de financiamento para um dos principais propósitos da academia: a investigação científica. Assim, essas instituições estariam, de facto, a cumprir parte da sua missão de serviço à comunidade.

Em última análise, a adoção de políticas públicas eficazes requer uma visão e objetivos alinhados com a realidade política e social do país. Olhar para os desafios enfrentados pelo novo governo britânico em relação ao NHS é uma oportunidade de aprendizagem para Portugal, onde podemos implementar medidas que sejam atrativas, eficazes e, acima de tudo, que coloquem o bem-estar da população como prioridade. Um novo governo e uma nova equipa ministerial têm a oportunidade de implementar uma estratégia diferente, aprendendo com outras realidades e focando-se na melhoria dos cuidados de saúde oral, e, consequentemente, na melhoria da saúde global dos nossos concidadãos.