Celebrámos a revolução. Mais um ano, mais uma vez. Celebrámos Abril e tudo o que Abril significa, celebrámos a democracia, a liberdade, a vida. Ouvimos gritos de emoção, ouvimos palavras de ordem, revivemos a revolução. Para mim, neto de Abril, ficar também emocionado com estes gritos parece-me inevitável. As palavras de ordem começam a ser também as minhas, revivo a revolução que nunca vivi. A verdade é que, para uma pessoa da minha idade, a única coisa que tenho do 25 de Abril é a recordação dos outros. Talvez isso seja suficiente. Ou talvez não. Talvez nunca venha a saber o que verdadeiramente significou Abril. Talvez, no que diz respeito a Abril e ao Estado Novo, fique para sempre refém da minha imaginação. Ainda bem. Hoje, como o jovem que sou, Abril é a memória de outros, mas é também futuro. Um futuro livre e democrático, um futuro melhor com que, como neto de Abril, não ouso sequer deixar de sonhar.
Eu, livre, oiço e vejo pessoas a falar da revolução. Vejo entrevistas, leio artigos e até eu próprio os escrevo, mas não vejo futuro. De que valem palavras caras num país pobre e desigual. Sinto as recordações dos outros, mas não sinto ambição nas suas palavras. Talvez seja porque sou jovem. Talvez seja falta de maturidade. Talvez seja utopia. Mas em que momento é que perdemos aquela que foi a maior conquista de Abril: o direito a sonhar? Oiço passado e oiço conformismo, oiço aqueles que dizem o que todos querem ouvir e oiço aqueles que se dizem muito preocupados com estes últimos. Na verdade, não oiço nada. Nada de novo. Nada a que aos novos diga respeito. Tenho pena e tenho ambição. Tenho pena que eles não tenham ambição.
Talvez esteja a ser injusto. Talvez ainda haja quem ouse, à luz de Abril, adivinhar um futuro que ainda falta cumprir. Mas, e como há sempre um mas, nem com esses inconformistas eu me conformo. Uns, vítimas do tempo e do progresso, gritam Abril aos quatro cantos não percebendo que o Abril que idealizam já não existe e que um futuro planeado a pensar no passado não passa de teimosia. Já os outros, mais modernos e elegantes, são vítimas da lógica e do bom senso. Estes querem Abril, querem novembro, querem liberdade. Querem tanta liberdade, mas não se conseguem libertar do espartilho das suas convicções ideológicas. Parecem comerciantes. Parecem comerciantes a tentar vender-nos medidas que nos trarão um futuro glorioso. É inevitável esse futuro glorioso, cheio daquilo a que chamam liberdade. É inevitável, está escrito nas estrelas. Mas entretanto, as estrelas contemplam um dos países mais desiguais da Europa que é o nosso. E, no meio de tantas constelações, eles distraem-se e esquecem-se que a “liberdade sem regras conduz à escravidão”.
Fico, então, com a sensação de que ser neto de Abril não é mais do que isto: um permanente inconformismo, até com os inconformistas. Mas, pensando um pouco mais, percebo que não. Ser neto de Abril é sonho, mas não é utopia. É nunca perder o rumo de vista, mas não é ficar cego de tanto idealizar esse rumo. Ser neto de Abril é, com o modernismo que o presente nos merece, não ver o mundo a preto e branco e ter sempre a ambição de lhe dar um pouco mais de cor. É perceber que o mundo é complexo, vendo esse mesmo mundo sem complexos. O que quero? Quero ânsia por algo melhor, algo novo. O que quero? Quero realismo e sonho, pois só assim posso tornar o sonho realidade. O que quero? Quero viver num caminho eterno rumo ao horizonte que é Abril. Esse horizonte que será, para sempre, brilho nos olhos de um neto de Abril. Celebremos isso!