Nelson Évora e Pedro Pablo Pichardo envolveram-se recentemente numa polémica relacionada com a aquisição da nacionalidade portuguesa. São ambos atletas de alta competição, envergam as cores da bandeira nacional; regressam com medalhas, conquistam títulos e posicionam Portugal a nível mundial. Em comum, o facto de não terem nascido em Portugal nem serem filhos de portugueses nascidos no nosso País. Em termos simples, significa isto que adquiriram a nacionalidade de forma derivada.

A Lei da Nacionalidade, tal como a conhecemos, apesar das suas 11 versões, é a Lei nº37/81  ou seja, remonta a outubro de 1981. Volvidos seis anos do 25 de abril de 1974, esta primeira lei da nacionalidade em Democracia (a primeira e única lei deste âmbito no País, datava de 1959), foi aprovada a 30 de junho, promulgada a 19 de agosto, e entrou em vigor no dia 3 de outubro.

Em 1981 nem Nelson Évora nem Pedro Pichardo eram nascidos, pelo que a aquisição da nacionalidade portuguesa de acordo com os fundamentos nesta data, não se coloca. O que está em causa é a forma como ambos se tornaram portugueses.

Nelson Évora adquiriu a nacionalidade portuguesa a 27 de maio de 2002 nos termos do artigo 2º da Lei nº 37/81. Significa isto que o atleta era menor de idade quando a solicitou e que o pai ou a mãe tinham nacionalidade portuguesa. Este artigo é claro: trata-se da aquisição da nacionalidade por efeito da vontade, na qual os filhos menores de pai ou mãe que adquira nacionalidade portuguesa, podem também adquiri-a, mediante declaração.

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O pai de Nelson Évora, cabo-verdiano, tinha passaporte português antes do 25 de abril. Na realidade, todos os cidadãos que nasceram quer em Cabo-Verde, quer nas restantes províncias ultramarinas em África, antes de declarada a independência das mesmas, eram considerados portugueses e à luz da legislação, mesmo que  tenham perdido porque adoptaram a nacionalidade do novo país, podem reclamar a nacionalidade portuguesa se tivessem um ascendente até ao grau de bisavô do continente ou Açores e Madeira ou se residia em Portugal há cinco anos no 25 de Abril.

Neste sentido e caso o pai de Nelson Évora reunisse os requisitos para conservar o passaporte nacional, o atleta seria automaticamente considerado português originário e o Nelson poderia ter obtido a nacionalidade originária também, o que seria um processo mais célere: artigo nº 1, alínea a) da Lei nº37/81, na qual se consagra que são considerados portugueses  os filhos de mãe portuguesa ou de pai português nascidos no estrangeiro.

Parece não ter sido o caso, para o Nelson ter obtido a nacionalidade pelo artigo 2.º, um dos progenitores adquiriu por naturalização, e pelo que tem sido indicado, por tempo de residência em Portugal.

Pedro Pichardo adquiriu a nacionalidade portuguesa a 14 de novembro de 2017  nos termos do artigo 6º, nº 6 da Lei nº 37/81 de 3 de outubro  por despacho da então Secretária de Estado da Justiça, Anabela Pedroso. Em termos simples, este artigo diz que O Governo pode conceder a naturalização aos estrangeiros que tenham prestado ou sejam chamados a prestar serviços relevantes ao Estado português ou à comunidade nacional.

Esta temática sobre a prestação de serviços relevantes ao Estado está legislada desde o Estado Novo, ou seja, há mais de 60 anos. A Lei 2098 de 29 de julho de 1959, na Base XIII referia que o Governo poderá também conceder a nacionalidade portuguesa mediante naturalização ao estrangeiro que tenha prestado ou seja chamado a prestar algum serviço relevante ao Estado Português.

Pedro Pichardo tinha 23 anos quando, em 2017 chegou a Portugal alegadamente com o estatuto de refugiado, após ter desertado de um estágio da seleção cubana. Assinou contrato com o Sport Lisboa e Benfica.  Mas só em 2019 foi autorizado a representar Portugal nos certames mundiais, entre os quais, os jogos olímpicos. Nelson Évora chegou a Portugal com 7 anos. Foi aqui que cresceu, fez amigos e completou os seus estudos e iniciou a sua carreira. Estes dois atletas submeteram pedidos de nacionalidade em alturas diferentes e ao abrigo de artigos e alterações legislativas diferenciadas.

Fernando Pessoa definiu em Portugal entre Passado e Futuro o que simboliza ser português e esta é uma declaração intemporal: “Ser português no sentido decente da palavra, é ser europeu sem a má-criação de nacionalidade”. Ser Português é muito mais do que esperar 3 meses, 5 anos ou 10 anos para cantar orgulhosamente o hino nacional.