Ser perigoso não é transmitir ao outro que temos a capacidade de lhe infligir dano. Ser perigoso é ter a capacidade para transmitir ao outro que não permitimos que ele ultrapasse os limites por nós estabelecidos quanto ao nosso ser, e que caso ele opte por violá-los, somos capazes de o reprimir de forma contundente. Quer esses limites sejam físicos ou psicológicos.

O violento é rude, barulhento, intempestivo, irascível. Não sabe estar e normalmente apresenta-se com imagética e comportamento que procuram suscitar temor nos demais.

O perigoso, porque está em paz consigo e consegue estar em paz com os demais, apresenta-se e comporta-se de forma a proporcionar conexão com os outros. Consegue estabelecer dinâmicas relacionais assentes no respeito mútuo. Até pode ser o mais recatado “na sala”. Não tem problemas em estar ao serviço dos outros, pois sabe como impedir que abusem dele.

O perigoso consegue construir os alicerces da paz, o violento receia-a.

O perigoso olha para dentro de si, reconhece-se e procura a harmonia entre ele e o que se passa à sua volta. O violento foge de si próprio, não quer reconhecer-se e receia conectar-se com o mundo envolvente. Por isso, quer subjugá-lo. Cabe ao perigoso não o deixar.

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O perigoso também sabe gerar violência. Mas, acima de tudo, sabe graduá-la, geri-la, ajustá-la e utilizá-la de forma proporcional. Ele controla a violência, ao invés de ser controlado por ela. Seja ela intrínseca ao próprio ou suscitada por terceiros. Desescalar a violência implica conhecê-la, conhecer-se a si e às suas capacidades (que podem ser treinadas).

Porque conhece a violência e o que ela pode causar, o perigoso não procura o conflito. Ele procurará todas as vias alternativas para que ele não se concretize, até que não sobre nenhuma. Porém, aí, ele será contundente e determinístico.

Perguntar-se-á o leitor sobre as razões que me terão levado a divagar sobre a natureza do perigoso e do violento.

Não é meu objetivo advogar que o mundo se divide entre perigosos e violentos. Mal seria, pois tal visão afunilada do ser humano, por exagerada simplificação, tornar-se-ia inconsequente e irrelevante.

Esta divagação surge a partir de uma constatação que derivou em preocupação.

A constatação de que o espaço público está cada vez mais preenchido, parecendo que até faz uma certa apologia, de indivíduos e situações violentas. Que vão moldar as perceções e convicções da comunidade sobre aquilo que será o mundo além do seu dia-a-dia.

Toda esta situação torna-se ainda mais preocupante quando estes modelos de violência têm origem em políticos ou líderes comunitários, seja nas suas palavras ou ações.

Muitas vezes estes indivíduos não passam, bem lá no fundo, de perfeitos cobardes. Mas a manipulação operada sobre símbolos, atos, palavras e significados consegue a proeza de transformar defeitos em virtudes.

Importará, portanto, trazer à liça a destrinça entre violento e perigoso, assim como, que o segundo é o melhor tratamento para resolver o problema que o primeiro representa.

Houvesse mais perigosos, conhecedores profundos das implicações e consequências da violência, e como tal, repudiadores e combatentes da sua expressão no interior dos indivíduos e nas suas ações, e talvez o mundo fosse um lugar mais pacífico e com mais possibilidades para o amor, a tolerância, a bondade e a fraternidade se expressarem.

Nascemos com determinadas propensões atitudinais. Todavia, seja por intermédio dos nossos pais, ainda em tenra idade, ou por escolha própria, podemos desenvolver competências que nos conduzam a determinada forma de estar na vida. Escolhamos, assentes no livre arbítrio, antes que os violentos achem que ele representa um perigo para eles.