Evidência. Esta tem sido uma das palavras mais usadas quando se fala de acesso à inovação, em particular na área da oncologia. Mas passado o buzz inicial quanto à sua utilização para efeitos de avaliação (e re-avaliação) de tecnologias em saúde, constatamos que aos dados existentes falta a abrangência e a profundidade esperada que permitam uma correta monitorização da evolução clínica dos doentes. Será a “evidência” apenas mais um chavão, destinado a cair no esquecimento, ou uma realidade para a qual teremos obrigatoriamente de evoluir?

A partir dos resultados da 3ª edição do “TOP 5’16 – A excelência dos hospitais”da IASIST, apercebemo-nos do peso da oncologia no contexto hospitalar em Portugal Continental, ainda que se refiram apenas a uma parte da atividade oncológica – o internamento. Sabemos que 11.6% do total de altas de internamento com mais de 18 anos dos Hospitais do SNS em Portugal Continental, em 2015, tinham como diagnóstico principal uma Neoplasia. Por outro lado, 62.3% destas cerca de 88.000 altas tiveram algum tipo de intervenção cirúrgica; foram responsáveis por 13.2% do total de dias de internamento dos hospitais do SNS; e que 20.2% dos óbitos com mais de 18 anos tinham uma Neoplasia como diagnóstico principal.

A inovação farmacológica tem transformado a doença oncológica numa doença crónica. Mas estes doentes não querem apenas ser tratados e viver mais tempo: querem poder viver a sua vida com qualidade, mantendo-se ativos e a continuar a desempenhar um papel na Sociedade. Este parece ser o maior desafio dos tempos modernos: garantir o tratamento mais adequado à patologia de cada doente, ajustado às suas necessidades, respeitando acima de tudo as suas convicções e a sua dignidade. Garantindo, tanto quanto possível, uma maior qualidade de vida.

Como conseguimos determinar se os produtos inovadores se aproximam desse desiderato? Partindo da premissa de que apenas o que é medido pode ser gerido. Através da monitorização dos doentes em tratamento — medindo não só os parâmetros analíticos e imagiológicos que permitem aferir a progressão da doença, mas também os resultados em saúde que efetivamente interessam aos doentes.

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Para tal, torna-se cada vez mais relevante dotar o SNS e os hospitais portugueses de registos que permitam a recolha e consulta atempada dos dados relevantes dos doentes. Ainda que a realidade do tão falado Registo Oncológico Único esteja mais (ou menos) distante, é necessário ir mais além. É necessário ir de encontro à evidência clínica que nos permite avaliar e comparar o comportamento de diferentes tecnologias (sejam elas medicamentos, cirurgias ou outros procedimentos) em doentes reais; em situações do quotidiano. Por outras palavras, fora do ambiente controlado dos ensaios clínicos.

Embora diversas métricas de produção hospitalar estejam atualmente a ser medidas e monitorizadas de forma interna e externa, outras, como a utilização efetiva destes medicamentos e principalmente dos resultados em saúde obtidos pela administração destas tecnologias – como é o caso da sobrevida, mortalidade, qualidade de vida, entre outros — escasseiam.

Esta evidência clínica poderá inclusivamente permitir uma alteração ao atual sistema de financiamento dos hospitais baseado unicamente em produção hospitalar, para um sistema com diferentes variáveis. Neste caso, os hospitais que consigam demonstrar os melhores resultados em saúde serão os mais beneficiados. Um paradigma similar ao que ocorre já em certa medida nos Cuidados de Saúde Primários, com as USFs modelo B.

Parece evidente que a análise destes dados traz benefícios imediatos para os doentes, permitindo prever que sub-população poderá beneficiar de uma dada tecnologia. As vantagens são também para os profissionais de saúde, que podem tratar melhor e de forma mais eficiente os seus doentes. E para a Sociedade por permitir uma melhor utilização dos recursos humanos e financeiros.

Numa altura em que a necessidade de otimizar recursos no setor da Saúde tem sido uma constante, e em que o futuro próximo nos vai trazer múltiplos produtos inovadores, é necessário medir os benefícios reais que estas novas terapêuticas trazem para os doentes, de modo a poder fazer uma decisão informada quanto à sua utilidade.

Quanto à ‘EVIDÊNCIA’, parece que vem para ficar. E é imperativo. Um sistema de saúde sustentável, eficiente e justo, pressupõe a constante procura de visibilidade e clareza dos tratamentos e nos resultados em saúde.

Joana Sousa, Sr Consultant, Consulting Services QuintilesIMS Portugal

Hugo Lopes, Sr Consultant IASIST