Recordamo-nos todos, com tristeza e com vergonha, que, nas legislativas de janeiro de 2022, foram anulados no círculo da Europa perto de 157 mil votos de emigrantes. Ao que parece, 80% dos portugueses que aí votaram, não juntaram ao seu voto a fotocópia do cartão de cidadão aquando do envio.

A enormidade da bizarria foi de tal forma, que o Tribunal Constitucional se viu obrigado a decretar a repetição da votação no círculo da Europa. E, assim, os portugueses que quiseram cumprir o seu dever cívico, tiveram de votar… duas vezes. Pior ainda, da segunda vez em que votaram, já sabiam que o seu voto não determinava coisa nenhuma dado que a maioria absoluta de António Costa já estava, à data, confirmada.

Mesmo assim, no total, 109 mil portugueses no círculo da Europa escolheram honrar o seu dever de voto. Admiráveis, grandes, enormes portugueses.

Mesmo assim, a repetição eleitoral reportou 29.97% de votos nulos…

Por isso, permanecemos, todos, tristes e envergonhados. Evidentemente, falhámos em alguma coisa com estes portugueses.

A 22 de junho de 2022, descansámos todos, aliviados, quando Fernando Anastácio, antigo deputado do Partido Socialista nos governos de António Guterres, tomou posse como Porta-Voz da Comissão Nacional de Eleições (CNE).

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Esperava-se desta renovada CNE, e do seu Anastácio, que viessem, fresquinhos, com o topo da agenda preenchido com o propósito de nos livrar, de uma vez, da tristeza e da vergonha.

Mas não.

É certo que se detiveram, expeditos, em coisas várias, todas de grande importância. Como, por exemplo, quando entenderam que a CML estava, com os seus cartazes que anunciavam medidas municipais na habitação, a violar a proibição de publicidade institucional no período eleitoral e ordenaram, implacáveis, a sua remoção em 24 horas. Ou, por exemplo, quando proibiram a IL de apresentar o seu programa eleitoral às legislativas no Sábado, 3 de fevereiro, por ser dia de reflexão eleitoral nos Açores (as eleições regionais ocorriam no Domingo, dia 4).

Mas, nos dois anos desta zelosa azáfama, ter-lhes-á faltado vagar para tratar do que era realmente fulcral para os portugueses emigrantes e determinante para o país.

E, assim, chegados às legislativas de 2024, voltámos a ter, desta feita, um total de 36,68% de votos nulos na emigração – um número cerca de 33 vezes superior ao dos votos nulos em território nacional. Mais de 1 terço dos portugueses emigrantes que honraram o seu dever cívico, viram o seu voto ser anulado.

Ora, tendo em conta que a CNE tem como competências genéricas “promover o esclarecimento objectivo dos cidadãos acerca dos atos eleitorais e referendários, designadamente através dos meios de comunicação social” e “assegurar a igualdade de tratamento dos cidadãos em todos os atos de recenseamento e operações eleitorais/referendárias”, como se explica que a tragédia se tenha, triste e vergonhosamente, com resultados ainda piores?

É fácil.

Anastácio explicou à CNN (no dia 18, ainda sem os resultados oficiais) que “há uma disposição na lei que estabelece que uma cópia do cartão de cidadão deve constar do envelope branco e o boletim de voto deve vir no envelope verde”. Quanto ao número de votos nulos, referiu que “o número é alto, com certeza que sim. Não é uma questão nova. É uma questão que já se verificou em eleições anteriores.” E remata: “Aliás, esteve na origem da polémica que em 2022 levou à anulação de votos anteriores”. Assim, sem mais. Esclarecedor, levezinho e descarado.

Ficámos, assim, a saber que, no entender de Anastácio, a responsabilidade é só dos eleitores. De mais ninguém. No entender de Anastácio, os portugueses que brilham lá fora em todas as áreas, desde as obras até à gestão de topo das grandes empresas do mundo, são inaptos para votar.

À CNE, e ao seu Anastácio, o que é que cumpre fazer para combater a tragédia dos votos nulos na emigração? Nada. Que leiam com mais atenção as instruções que seguem nos boletins de voto. Que vão procurá-las ao site da CNE (uma provação para as encontrar…). Que vão ao Diário da República consultar a legislação (Artigo 79.º-G da Lei n.º 14/79, de 16 de maio – Lei Eleitoral para a Assembleia da República). Que procurem, que façam o que entenderem. Nós, CNE e Anastácio, nada! Em dois anos, nem uma só diligência para esclarecer os eleitores. Para pôr um fim na tristeza e na vergonha que não se importam de arrastar. Nem reescrever as instruções de forma clara e decente. Nem um vídeo exemplificativo com imagens esclarecedoras. Nem um comunicado ou uma conferência de Imprensa. Nem um plano de comunicação representativo. Nada.

E, claro, muito menos um pedido de desculpas, uma justificação, sequer uma palavra, a cada um dos 122.327 portugueses emigrantes que escolheram cumprir o seu dever cívico e viram o seu voto ir para lixo.

Servem para quê, as Comissões e os seus Anastácios?

Nota: Por opção própria, o autor não escreve segundo o novo acordo ortográfico.