O sector cervejeiro artesanal português vive um paradoxo. Enquanto a sua qualidade e reconhecimento internacional crescem, a sua viabilidade financeira está ameaçada. O entusiasmo dos primeiros anos, marcado por investimentos ambiciosos e uma crescente aceitação do público, contrasta fortemente com o cenário atual de dificuldades e incertezas. 2024 marca um ponto de viragem, um momento de reflexão sobre o caminho percorrido e os desafios que se avizinham.
A “revolução craft beer” que começou nos Estados Unidos na década de 90, chegou à Europa no virar do século, mas que só entrou em Portugal entre 2012 e 2014, impulsionou investimentos significativos em produção, infraestrutura e espaços dedicados ao consumo, como brewpubs e taprooms.
Para lá dos imprescindíveis investimentos para o normal funcionamento de uma cervejeira (equipamentos de produção, infraestruturas, segurança e higiene, merchandising ou distribuição), muitos produtores apostaram também em planos de negócio a longo prazo, que incluíram os tais brewpubs e taprooms como peças fundamentais de estratégia de venda e que previam o retorno desses investimentos em 8 a 10 anos.
O surgimento de “spots cervejeiros” e festivais dedicados à cerveja artesanal fomentou o contacto direto com o consumidor e a divulgação das marcas nacionais e um maior conhecimento por parte do público para oferta de qualidade das cervejeiras artesanais portuguesas. Foi também nessa altura que as microprodutores nacionais começaram a ser reconhecidas e premiadas internacionalmente.
No entanto, a pandemia de 2020 interrompeu bruscamente este ciclo de crescimento. O encerramento do setor “fora de casa” representou um duro golpe para os microcervejeiros, que perderam a sua principal fonte de receita numa altura em que 75 a 100% das vendas das microcervejeiras se fazia, precisamente, através das suas brewpubs e taprooms. Embora os apoios governamentais e as moratórias tenham ajudado a mitigar o impacto inicial, a contração de novos empréstimos tornou-se, para muitos, a única opção para manter a atividade, respondendo às condições adversas do contexto económico e às obrigações que já tinham.
A crise não ficou por aqui. A inflação, impulsionada pela escassez na cadeia de matérias-primas, a guerra na Ucrânia e a crise energética, aumentaram significativamente os custos de produção. Simultaneamente, o poder de compra dos portugueses diminuiu, levando a quebras de consumo em produtos considerados não essenciais, como a cerveja artesanal. A subida das taxas de juro, como resposta do Banco Central Europeu à inflação galopante, agravou ainda mais o cenário, triplicando os encargos financeiros dos produtores, já sobrecarregados com dívidas e investimentos por amortizar.
Apesar do otimismo e da euforia que marcaram o período pós-pandemia, a realidade impôs-se. O cansaço e o desânimo começam a instalar-se no setor, perante um contexto económico adverso e prolongado. O ano de 2024 tem sido, inevitavelmente, um ano de transição. Restruturações, fusões, aquisições e, infelizmente, encerramentos, são cenários prováveis num setor que luta pela sobrevivência.
A questão que se coloca é: como garantir a sustentabilidade do setor cervejeiro artesanal em Portugal? A resposta exige uma combinação de fatores, desde a adaptação dos modelos de negócio à procura de novas soluções de financiamento, passando pela sensibilização do consumidor para a importância de apoiar a produção nacional.
A criatividade, a inovação e a resiliência, características intrínsecas ao espírito cervejeiro artesanal, presentes em tantas pequenas produções que criam emprego, enrobustecem o nosso tecido económico e enriquecem a variedade e qualidade do mercado cervejeiro, serão fundamentais para ultrapassar este período de turbulência e garantir um futuro próspero para o setor.