Na tessitura da vida moderna, corre veloz o tempo e o ruído preenche cada vão. Surge assim, o paradoxo do silêncio: que é tanto refúgio, como campo de batalha.

Há milénios, já Cícero reconhecia as faias do silêncio como uma das grandes artes da conversação, não tanto pelo que omite, mas pelo que revela nos intervalos da fala. “Silêncio, que se vai cantar o fado!”, “Silêncio, o espetáculo vai começar” – expectante, disruptivo, o silêncio toca as vezes do gongo que assinala o momento que anuncia que algo de grande está para vir. Também assim se aguardam as palavras sábias dos mais velhos que, em lábios demorados, gesticulam à velocidade de quem não tem pressa e, por isso, tem tempo, permitindo-nos ganhar a dimensão da espera, do saber esperar.

O tempo pede, assim, silêncio e o silêncio, tempo. Se o silêncio não é vivido com tempo, nunca passará a ser mais do que um soluço, e a oportunidade de introspeção e diálogo interior cessará de existir. Se o tempo não tem silêncio, onde existirá espaço para a escuta ativa do outro e da minha envolvente? Onde proporcionarei ao meu outro espaço para se expressar, com a confiança de que em mim encontrará um lugar de compaixão?

Na música clássica, o maestro e os músicos sabem que o silêncio não é mero interlúdio entre movimentos, mas parte integrante da composição; cada pausa, cada suspensão de notas no ar…Como a luz só pode ser percebida na presença da sombra, também a música só alcança a plenitude quando acompanhada de silêncios estratégicos que terminam moldando a existência emocional daquele que a ouve, convidando à introspeção e ao diálogo interior.

Mas nem todo o silêncio dá espaço à harmonia, como o silêncio, não da paz, mas da opressão; uma quietude forçada que sufoca palavras e engole gritos. Esse silêncio imposto deve ser combatido com as mil vozes escondidas, e com as mil outras que, podendo ter voz, devem fazer ecoar aquelas que gritam “liberdade”.

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Porém, o silêncio construtivo, aquele que abre portas à reconciliação, como explorado e pensado por Cynthia Cohen (em Creative Approaches to Reconciliation), é espaço que convida à reflexão e ao reconhecimento do outro, aspetos fundamentais para a cura de feridas antigas. Neste contexto, o silêncio transcende a ausência de som e transforma-se num estado de escuta ativa, onde as vozes ocultas podem, finalmente, ser ouvidas. É um silêncio que prepara o terreno para o diálogo verdadeiro, onde as alienações são confrontadas e os conflitos, entendidos não como impasses, mas como oportunidades para o crescimento conjunto.

Assim, o silêncio na música clássica e nos processos de reconciliação não é um vácuo, mas um campo fértil para a empatia e a compreensão mútua. E, seguindo a sabedoria de Cícero, no admirável teatro da vida, o silêncio é, de fato, uma arte sublime de conversação, onde, tanto nas palavras ditas como nas pausas cuidadosas, há uma melodia camuflada que, se bem ouvida, revela as nuances mais profundas do ser humano.

Com esta reflexão, termino, com um convite ao leitor, aproveitando esta espécie de arranque pós-verão de um novo ano: a redescobrir o silêncio na sua própria vida; a aprender a valorizar o silêncio, não apenas como um antídoto para o barulho, mas como uma essência vital para a arte da coexistência; a experimentar o silêncio não como ausência, mas como uma presença eloquente que fala, que consola e que transforma, permitindo encontrar as respostas que os ruídos do mundo tantas vezes nos impedem de ouvir.

Observador associa-se ao Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial, para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa.  O artigo representa a opinião pessoal do autor, enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.