As abordagens centralizadas e hierarquizadas têm de mudar. Aquelas que foram utilizadas no passado e persistem não se adequam a uma era de forte concorrência e de alteração de paradigma, na qual os consumidores são diferentes – e com novas exigências – e os profissionais mudaram.
Hoje, os profissionais, enquanto clientes internos, procuram maior conciliação entre a vida pessoal e profissional, bem-estar físico e psicológico, valores e objetivos alinhados com os da organização, possibilidade de desenvolvimento profissional, dirigida ao seu perfil e expetativas. Querem fazer parte de uma equipa que participa nos objetivos e no desenvolvimento das suas organizações. E o Serviço Nacional de Saúde (SNS) não é exceção. Pelo contrário.
Falamos muito na mudança e na qualidade dos processos, mas há pouca mudança efetiva. Isto porque, muitas vezes, são feitos apenas remendos, ao invés de alterações estruturais. Estas necessárias alterações estruturais devem basear-se não no centralismo, mas numa abordagem de equipa, de participação ativa que, no caso da Saúde, tem de envolver, sem dúvida, o cliente interno e externo, sem perder de vista os conceitos de rede, de universalidade e de promoção da coesão social.
Quando ouvimos os doentes – e essa tem sido cada vez mais uma aposta – percebemos, não raras vezes, que aquilo que lhes oferecemos nem sempre é aquilo que eles consideram melhor para si e o mesmo se aplica quando falamos com os profissionais de saúde.
Mudanças estruturais requerem uma abordagem conjunta, descentralizada e participada, menos dependente de regras ultrapassadas e regulamentos ou medidas avulsas, mas mais baseada nas equipas e nas necessidades das pessoas.
No caso do SNS, só haverá uma verdadeira transformação quando este processo acontecer. Mais do que uma gestão em piloto automático, precisamos de criar condições para que as várias partes do SNS possam ter autonomia de modo a que esta relação de pertença, responsabilidade e compromisso seja efetiva no ambiente organizacional.
Em simultâneo, as diferentes instituições do SNS devem articular-se de forma natural, orgânica, numa gestão em rede, tendo todas um papel ativo na definição de políticas.
Se dúvidas existissem, durante a pandemia assistimos a uma mudança drástica na abordagem e nos processos das instituições de Saúde, que revelou uma capacidade de adaptação extraordinária. Num contexto de enorme incerteza e escassez de informação, fomos coagidos a tomar decisões rápidas e a implementar alterações profundas, baseadas em conhecimento técnico, experiência e compromisso – e isso deve levar-nos a pensar que temos essa capacidade, ou seja, a capacidade de fazer melhor.
Tal como aconteceu durante o período da pandemia, a disrupção deve partir das necessidades sentidas por cada profissional e deve existir espaço para que as ideias sejam discutidas, melhoradas e implementadas. Será que não aprendemos isso e esquecemos a lição?
Em sistemas complexos, como o SNS e as instituições que o compõem, a mudança e a capacidade de adaptação não podem estar dependentes de um centralismo estratégico, que por norma é demasiado pesado, lento e com maior propensão para o erro. Se a mudança for imposta e num registo de comando e controlo, nunca existirá de facto. Pode parecer que sim, por uma questão de dependência ou mera conveniência, mas não será efetiva. Nada acontece.
O processo de mudança não tem de ser unânime, mas tem de ser participado, incluir as várias visões, porque é da divergência que se faz a efetiva transformação. Se todos se sentirem parte da decisão, todos sentirão vontade de a implementar com responsabilidade e sucesso.
Mas esta mudança de paradigma exige também uma mudança profunda nos perfis das lideranças. Precisamos de uma gestão empática, que lidere pelo exemplo, que privilegie uma cultura organizacional onde todos se sintam valorizados e respeitados, de escuta ativa, e que promova a partilha de feedback entre todos os intervenientes.
Com a diversidade de profissões e o nível de diferenciação que existe na Saúde, o modelo tradicional de chefia tem necessariamente de ser repensado. Posturas autoritárias ou agressivas, baseadas em domínio e submissão, e associadas a um certo exibicionismo, podem até parecer eficazes em situações de crise e ameaça, mas, a longo prazo, no dia-a-dia, provocam tensão, afastam talentos, diminuem a produtividade e comprometem o sucesso das organizações.
Precisamos de líderes corajosos e visionários, dispostos a adotar uma abordagem colaborativa e centrada nas pessoas.
Precisamos de criar espaço para a colaboração, a criatividade, a partilha de ideias e a inovação.
Precisamos de ter coragem para fazer diferente. Se o fizermos, seremos capazes de oferecer um SNS que atenda não apenas às necessidades dos doentes, mas também às aspirações dos profissionais que dedicam as suas vidas a cuidar dos outros.