Numa altura em que cada vez mais procuramos soluções para alcançar a neutralidade carbónica e que a palavra “descarbonizar” marca a agenda global, devemos pensar em estratégias que se movam neste sentido e que, ao mesmo tempo, permitam reduzir a dependência energética nacional. Neste capítulo, já existem alternativas aos combustíveis fósseis, como é o caso dos biocombustíveis.

Dentro do mundo dos biocombustíveis, existem diferentes soluções: os biocombustíveis convencionais, produzidos a partir de óleos virgens, de origem agrícola, como é o caso da soja, cana-de-açúcar, milho, da colza e do óleo de palma; e os biocombustíveis de resíduos e outros avançados, produzidos a partir de matérias-primas residuais, como óleos alimentares usados, borras de café, molhos, margarinas fora de prazo, entre outros.

Os biocombustíveis que recorrem aos resíduos, não só nos ajudam a diminuir a pegada ambiental – já que, por exemplo, 1 litro de óleo polui cerca de 1 milhão de litros de água –, mas também a promover a economia circular, uma vez que, não estamos a criar um produto novo, mas sim a reutilizar algo que já existe. Projetar um futuro verde exige que pensemos na sustentabilidade como um todo, não colocando em causa uns ecossistemas em detrimento dos outros.

Assim, de entre as vantagens, destacaria o facto de os biocombustíveis de resíduos e outros avançados serem a alternativa mais justa e eficaz para a transição energética nos transportes, começando, desde logo, pelo seu efeito imediato na redução de emissão de gases de carbono. Se compararmos com o gasóleo, a diferença vai desde 83% a 98%, ou, até mesmo, com o elétrico convencional, a redução é de 67%.

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Adicionalmente, não exigem a aquisição de novos veículos ou de novas infraestruturas, uma vez que são incorporados nos combustíveis que já utilizamos, distribuídos através de infraestruturas existentes (oleodutos, tanques, mangueiras), disponíveis em todos os postos de abastecimento, movendo os veículos que já temos, sendo, por isso, a forma mais imediata de qualquer condutor se tornar mais sustentável.

Nos últimos anos, vários foram os sinais que nos indicaram que os decisores estão alerta. Entre eles, destaco a Diretiva Europeia das Energias Renováveis II (RED II), que assinala um ponto de viragem na validação dos biocombustíveis de resíduos e outros avançados como parte essencial da estratégia de descarbonização dos transportes na Europa, estabelecendo metas específicas para  os biocombustíveis avançados, como forma de promover a sua maior incorporação, mas, também, o objetivo que constava no Orçamento de Estado de 2021 de promover o uso de matérias-primas avançadas na  produção de biocombustíveis, e a aplicação de restrições à utilização do óleo de palma já a partir do dia 1 de janeiro de 2022, reforçada com a recente publicação da Lei do Clima nacional.

A grande evolução que trouxe o ano de 2021, segundo os dados disponibilizados até ao momento e referentes ao período até ao terceiro trimestre, foi o aumento do contributo das matérias-primas residuais para a produção de biocombustíveis. No último ano, das matérias-primas utilizadas na produção de biocombustíveis, cerca de 60%, eram de origem residual, como óleos alimentares usados e gorduras animais, e 10,4% de matérias-primas residuais avançadas. Este aumento é muito relevante porque significa que Portugal está alerta para a importância da economia circular e da valorização dos resíduos, sendo que estou confiante de que este valor tem margem para crescer ainda mais durante este ano.

Para abandonar o óleo de palma deve-se assim investir em sistemas de recolha de resíduos internos mais desenvolvidos, que possam resultar em matéria-prima para biocombustíveis de resíduos e outros avançados. Porquê investir? Estes biocombustíveis são produzidos a partir de resíduos gerados no nosso dia-a-dia, tal como o óleo alimentar usado e outros resíduos, promovem a economia circular por transformarem resíduos considerados “lixo” em matéria-prima e contribuem ainda para a independência energética de Portugal, capaz de gerar energia a partir dos próprios resíduos que produz.

Países Baixos, Dinamarca, França, Áustria e Finlândia são exemplos a seguir neste capítulo, produzindo biocombustíveis totalmente isentos de óleo de palma. Em solo nacional, devemos promover ações que contribuam para o abandono de matérias-primas como o óleo de palma e olhar para os biocombustíveis de resíduos e avançados como uma oportunidade para Portugal se posicionar na dianteira da descarbonização da economia.

Neste sentido, continua a ser necessário reforçar a mensagem de que investir nos biocombustíveis de resíduos e avançados contribui para o alcance das metas de redução de emissões a nível europeu e para a independência energética de Portugal, permitindo uma maior ambição no alcance da neutralidade carbónica nas próximas décadas.