A profunda falta de habitação a que se assiste hoje, tem a haver com a conjugação de muito factores, mas deve-se sobretudo à forte desorientação a que temos assistido por parte dos últimos governos neste sector tão importante para as populações.
É inconcebível que o Estado ao longo de décadas, através de sucessivos governos, tenha incentivado tão drasticamente a compra de habitação, olhando para o mercado de arrendamento como algo de secundário.
Por altura dos anos da “ Troika” há cerca de 12 anos, quando Portugal esteve à beira da bancarrota, um dos peritos que inspecionou a economia portuguesa, sublinhou o seguinte: “Nunca vi um país com tantos proprietários de imóveis …” Referia-se ao gigantesco mercado de habitação transaccionado pelos bancos e aos incentivos agressivos para a aquisição de casa própria, transversal a todas as classes sociais.
As políticas deste sector através dos vários governos pós 25 de Abril de 1974, tiveram sempre objetivos limitados sem visão estratégica para o arrendamento habitacional, ficando passivo perante os interesses da Banca, colocando a opção do arrendamento de habitação como se não fosse da sua responsabilidade assumir. O Estado tem preferido transpôr as suas responsabilidades para privados que sejam proprietários de imóveis, para estes arcarem com a dita “responsabilidade social “ e desta forma de se alhear o que é da sua esfera de actuação. Para o imediatismo gratuito, recorreu ao congelamento de rendas ou a tectos de valores de rendas.
Aliás, esse tipo de medidas têm sido na nossa História, uma tentação fácil com péssimos resultados. Salazar fê-lo somente em Lisboa e Porto, com efeitos nefastos na degradação do património edificado. Vasco Gonçalves, em 1975, copiou-o, embora por outro motivo e sucessivos governos têm emitido leis sobre arrendamento à mercê de propósitos eleitoralistas.
A etiqueta de “justiça social“ tem estado presente nesse ziguezague legislativo, sendo o mais recente durante a governação de António Costa que em 2018 ( em co-autoria com Bloco de Esquerda ) e em Outubro de 2023, pretende limitar aumentos de rendas aos proprietários de habitação para arrendamento . E limitar o despejo a pessoas com 65 anos. Um verdadeiro “tiro no pé”. A lei é de tal modo bem feita que se pergunta: alguém, com confiança e bom senso, alugará hoje um apartamento a um casal com 63 anos? Basta aliás fazer uma breve leitura por passagens do nosso Código Civil que rege todo o tipo de arrendamento, para concluir que este se encontra, ano após ano, sempre desactualizado, tal é a vertiginosa pressa em querer alterá-lo. Também é verosímil nessa leitura, que os proprietários têm muito menos direitos legais do que os inquilinos. Se algo correr mal, dado o estado da nossa Justiça, tudo reverte em prejuízo para os proprietários.
O resultado deste panorama é que o mercado de arrendamento tem vindo ora a defender-se com preços altos – não esqueçamos a taxa de imposto de 28% ou 25 % sobre o valor das rendas –, ora a tornar-se cada vez mais reduzida a sua oferta. E os Bancos sorriem e agradecem esta realidade! Criam-se então os “nichos de mercado” elitistas, e aqueles que argumentam que se deve ocupar casas, como no far-west.
O Estado, como lhe compete, deve estar atento e apresentar alternativas a trajectórias deficitárias no mercado habitacional. Mas não o tem feito nos últimos 30 anos ( salvo a excepção do programa do FFH – “Fundo de Fomento de Habitação” – anos 70 e 80, que teve aliás custos fora de mercado) . É urgente criar investimento público destinado ao arrendamento de habitação a custos controlados de forma a contrabalançar o impacto de interesses bancários e de construtores.
Para quem conhecer um pouco a História de Portugal do séc. XX, ou olhe à sua volta o espaço urbano , é triste reconhecer que durante o Estado Novo, fez-se mais pela habitação social com custos controlados, planeada e urbanizada, do que se fez em 50 anos de democracia.
O Poder Local, ou seja, as Câmaras Municipais têm uma responsabilidade acrescida neste dura realidade em que se vive na falta de habitação. Estas entidades têm os mecanismos para diagnosticar as faltas, as tendências, e as formas de contrariar a falta de habitação sem esperar pelos particulares. Têm o corpo técnico inteiro para fazer essa realidade vir ao de cima. Em vez disso tem-se preocupado mais com eventos-espectáculo para as cidades ou com pura burocracia.
As autarquias têm até tentado implementar programas habitacionais que se mostram morosos, de complexa aplicabilidade e que dependem em demasia dos organismos centrais. Estes, que pouco sabem decifrar as realidades dispares entre concelhos e seus espaços geográficos. Deste modo os concelhos ficam dependentes das pressões imobiliárias e só se salvaguardam com a cobrança de taxas exorbitantes sobre os investidores particulares talvez para compensar os seus encargos brutais com pessoal. Em paralelo apresentam obra graças a PRR( s) aonde muitas vezes surge o despesismo em espaços públicos. Depois cada Governo da Nação faz questão, antes de sair, de apresentar um “simplex” qualquer para agilizar processos, mas que passado algum tempo ( 2 anos ! ) conclui-se que não houve resultados práticos de relevo.
Caberá às autarquias, através de um urbanismo pragmático, investir na habitação multifamiliar a fim de responder às necessidades de arrendamento sem ser refém do investimento privado. Com projetos realistas mas convidativos para os construtores que queiram concorrer. Nunca esquecendo a recuperação de imóveis degradados que fazem parte da História e memória de qualquer cidade. Estes, infelizmente muito pouco convidativos no sector da construção dada a sua imprevisibilidade.
O mercado de arrendamento é na actualidade, aquele que melhor serve as populações. Hoje vive-se uma realidade que não se coaduna com a aquisição imediata de casa própria. Pagar 3 vezes o valor de uma andar a um banco e pagá-lo ao longo de 30 , 40 anos ou mais ? Muitos jovens mudam de emprego de 2 em dois anos e com muito mais facilidade do que outrora; movimentam-se e residem com grande facilidade em diferentes cidades ou países. A permanência em determinado lugar é hoje incerta, o que faz parte de uma nova mentalidade das novas gerações. O mercado de arrendamento, até de menor área, é por conseguinte o mais viável para responder a estas necessidades e a esta nova mobilidade.
Com uma situação silenciosa mas em crescimento, que é a emigração, a falta de habitações tem subido exponencialmente. É impossível contabilizar pela estatística, quantos apartamentos e casas se encontram sobrelotadas e em que condições vivem várias famílias em insalubridade, quer em cidades grandes, quer pequenas. Vai-se aguardar por algum “ Sexta às nove “ na TV para vir a público e tornar-se pouco digno ? Existem mesmo casos em que camas são alugadas à semana ; camas quentes assim lhe chamam.
Portanto o problema habitacional irá com certeza agravar-se se não houver a criação de um pacto de regime entre partidos políticos para tomar medidas e investir em larga escala; um investimento do Estado a ser, também ele, fortemente controlado, para assim haver maior celeridade processual. Para isso há que desanexar terrenos públicos para esse fim ( quartéis devolutos, por exemplo) , Infra estruturá-los e promover a construção habitacional.
É imperioso que o Estado central dê total autonomia e fundos às Autarquias a fim de haver maior celeridade processual.
E finalmente, é preciso que as autarquias se alheiem de tanta cidade-espectáculo, de tantos “ comes e
bebes “ como acontece no Porto, e trabalhem com ambição nesse sentido.