Sem surpresa, diria, todos ficámos a saber que o Tribunal da Concorrência, em Santarém, deu como provado que existiu troca de informações sobre as margens/spreads do crédito à habitação, que terão ocorrido há mais de uma década, mas que não se traduziu em perdas para os clientes.

Sim, leu bem. Os clientes não foram prejudicados. Não houve cartel. Porém, a Autoridade da Concorrência pediu que os bancos fossem condenados a multas de centenas de milhões de euros pela troca de informações em que se envolveram.

Entretanto, dez anos passados, a juíza solicitou, e bem, que o Tribunal Europeu se pronunciasse sobre se uma troca de informações em que os clientes não foram prejudicados, poderia configurar um ilícito, o que em muito atrasou a sentença.

Fazendo uma retrospetiva. Num mercado com excesso de capacidade (no período entre 1990 e 2010), assistimos a bancos a digladiarem-se para aumentar a sua quota de mercado e o seu volume de concessão de crédito à habitação. Luta feroz numa tentativa de aproveitar o fenómeno de moeda única, a sua estabilidade monetária e o ambiente de baixa volatilidade, o que, tudo junto, se traduziu em taxas de juros mais baixas. Muito mais baixas que em Espanha, aqui ao lado, com quase os mesmos bancos.

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Esta competição permitiu que centenas de milhares de famílias tivessem acesso a habitação própria permanente, que os bancos gerassem negócio que permitisse ultrapassar o definhar do tecido industrial, aproveitando por esta via as capacidades de financiamento que a moeda única permitiu.

Vários estudos empíricos referem que num mercado com excesso de capacidade (bancos), como aquele vivido nesses 20 anos, com custos de mudança negligenciáveis e com informação abundante, uma guerra de preços e de margens é a consequência, com ganhos para os consumidores e clientes.

Devemos estar todos, enquanto clientes, contribuintes e cidadãos, satisfeitos pela forma preguiçosa com que as administrações bancárias da época se permitiram fomentar um mercado de troca informal de informações comerciais que, muito provavelmente, acelerou a descida abrupta de spreads e tornou o mercado português num caso único na Europa. Spreads que, importa notar, não cobriam o risco e o custo de capital dos bancos.

Com tudo isto poderíamos estar gratos ao cartel que, na verdade, não o foi. Admitir, em tese rebuscada e ignorante de princípios económicos básicos, que a troca de informações teria a intenção de prejudicar os clientes, talvez, isso sim, pudesse justificar uma multa, simbólica.

Mas nunca, por nunca, multas de centenas de milhões de euros que, no limite, vão prejudicar os clientes, os trabalhadores e os contribuintes.