A Europa vai de férias, mas Ursula von der Leyen nem tanto. Terá aliás, entre a análise de currículos à escolha das possíveis pastas para os futuros elementos da sua equipa de comissários, um vasto leque de leituras recomendadas para o verão.
Respeitando o disposto no artigo 17.º do Tratado da União Europeia (UE), após a eleição da Presidente da Comissão Europeia, cada Estado-Membro deve apresentar as suas sugestões para o colégio de comissários. À exceção da Alemanha e da Estónia que, respetivamente, se vão fazer representar pela própria von der Leyen e pela ex-primeira-ministra Kaja Kallas, como Alta Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, os restantes 25 Estados-Membros terão de enviar os seus nomes até ao final do mês.
Depois de entrevistas levadas a cabo por von der Leyen, a Presidente recém-eleita apresentará uma equipa, tentando garantir os equilíbrios de género, partidário e geográfico, sujeita a aprovação pelos Chefes de Estado ou de Governo, no Conselho Europeu. Os candidatos e candidatas indigitados participam depois em audições perante o Parlamento Europeu – onde, dada a “tradição”, é muito possível que pelo menos um seja rejeitado – sendo depois sujeitos, no seu todo, a uma única votação de aprovação. A Comissão é, por fim, nomeada pelo Conselho Europeu.
Há dias, von der Leyen fez um pedido claro, que se materializou numa carta enviada a todos os governos da UE: no sentido de promover a paridade de membros do colégio, cada Estado-Membro deverá apresentar dois nomes, um homem e uma mulher.
À primeira vista, parece ser uma medida interessante e garante da igualdade, em número, de comissárias e comissários. No entanto, as exceções a esta (não) regra podem levar este pedido de von der Leyen a permanecer apenas no plano teórico. Na prática, por um lado, é sabido que alguns comissários se vão manter em exercício, como é o caso de Maroš Šefčovič (Eslováquia), Valdis Dombrovskis (Letónia), Wopke Hoekstra (Países Baixos) e Olivér Várhelyi (Hungria). Nestes casos, a Presidente esclareceu que não haverá a necessidade de indicação de dois nomes. Por outro lado, antes do pedido de von der Leyen, havia quem já tivesse um nome escolhido e do qual não quer agora abdicar, sob pena de apresentar duas sugestões e ver escolhida a menos preferida. De acordo com o Politico, Espanha, Suécia, Finlândia, Irlanda, Malta, Eslovénia e República Checa já escolheram a pessoa, três mulheres e quatro homens, a apresentar como candidata.
Não sendo propriamente este o objetivo de von der Leyen, a apresentação de dois nomes por parte de cada Estado-Membro dar-lhe-ia ainda mais poder. Esta maior margem de manobra para escolher os Comissários Europeus a dedo substitui, em parte, o poder de decisão dos governos da UE, definido nos tratados, e ultrapassa as competências da presidência da Comissão. A juntar à decisão sobre quem integra a equipa dos 27, é também von der Leyen quem define os pastas, quem fica responsável por qual, e a própria estrutura do colégio, numa certa hierarquização entre comissários e para a qual importa ter opções várias – e mulheres.
Já há cinco anos, após a sua eleição como a primeira mulher Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen mostrou-se comprometida com a igualdade de género. De facto, 13 em 27 dos atuais membros do colégio são mulheres, o mais elevado número de comissárias de sempre, e logo em 2019, 41% dos cargos de direção da Comissão eram ocupados por mulheres, contra 30% em 2014 (COM/2020/152).
Agora reeleita, von der Leyen foi mais longe – não necessariamente longe demais – e dá a entender que, não podendo impor quotas de género à escolha dos Estados-Membros, foi esta a solução encontrada para dar espaço a um maior poder de decisão e, assim, garantir também a paridade.
Por agora e publicamente, nenhum Estado-Membro apresentou dois nomes, mas teremos ainda de aguardar as escolhas de mais de uma dúzia, entre os quais Portugal. Mais do que qualquer outra coisa, quer o venham a cumprir quer não, a expectativa é a de que o pedido de von der Leyen sirva como um lembrete na hora de tomada de decisão pelos governos nacionais.
O Observadorassocia-se aos Global ShapersLisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial, para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. Ao longo dos próximos meses, irão partilhar com os leitores a visão para o futuro nacional e global, com base na sua experiência pessoal e profissional. O artigo representa, portanto, a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.