A futura dissolução da Assembleia da República e consequente demissão do Governo após a votação final global do Orçamento de Estado para 2024, trouxeram um clima de incerteza e instabilidade ao país. Para os enfermeiros e restantes profissionais de Saúde, este momento é ainda mais preocupante, pois o Serviço Nacional de Saúde (SNS) já se encontra fragilizado e a braços com uma série de problemas estruturais.

Na última reunião, em setembro, exigimos do Ministério da Saúde medidas concretas para a resolução dos problemas da classe. Entre elas, a conclusão do primeiro Acordo Coletivo de Trabalho (ACT), que se arrasta desde 2017. Depois, a correta aplicação do Decreto-lei n.º 80-B/2022, para que sejam de resolvidas centenas de irregularidades que afetam milhares de colegas e que, volvidos praticamente um ano, nada foi feito apesar dos sucessivos apelos a Manuel Pizarro. Por fim, urge criar mecanismos que promovam a valorização da profissão, em particular com o reconhecimento do risco e penosidade.

Volvidos dois meses desde a última reunião, e mesmo depois de vários apelos do Sindicato dos Enfermeiros – SE para o regresso à mesa das negociações, este Ministério cria uma novela cómica, voltando a fazer promessas que não passam disso mesmo, mas só para alguns. Lança o fim do ano para esse logro, como se em dezembro não tivéssemos já um governo em gestão, mas a comportar-se como se tivesse já ganho as eleições de 10 de março de 2024.

Mais uma fábula. Mais ilusões.

Medidas concretas ZERO. Dividir para reinar.

A mentira continua a ser usada de uma forma clara, fazendo uso abusivo do desespero e desânimo que grassa na profissão.

Outro dos aspetos preocupantes é a falta de um plano de contingência para o Inverno. Reorganizam-se as urgências, mudam-se peças como quem brinca num tabuleiro de xadrez em que os peões são vidas humanas.

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Como se vão articular as instituições de Saúde? Com que equipas e com que meios, quando são conhecidas e reconhecidas carências e insuficiências do SNS? A verdade é que o ministro da Saúde, ainda em funções, não apresentou qualquer plano de contingência, qualquer plano de ação, deixando os enfermeiros sem saber como organizar o seu serviço. Apela-se aos utentes que, a título extraordinário, liguem para o SNS24 ou para o INEM antes de se deslocarem aos serviços de urgência. Então, mas esta não devia ser a norma?

Além disso, é igualmente preocupante a implementação do diploma referente às Unidades Locais de Saúde (ULS). Foi recentemente publicado em Diário da República o Decreto-Lei n.º 102/2023, de 7 de novembro, que procede à reestruturação das entidades públicas empresariais, integradas no Serviço Nacional de Saúde (SNS), adotando-se o modelo de organização e funcionamento em unidades locais de saúde (ULS) com efeitos a 01 de janeiro de 2024.

No entanto, com um governo demitido, um ministro da saúde em gestão corrente bem como um diretor executivo do SNS com poderes amputados, fica a certeza de que estes diplomas bem com outros diplomas aprovados não têm condições de sair do papel. Não há sequer garantias que o novo modelo de USF veja a luz do dia, onde mais uma vez enfermeiros e médicos mostraram o cartão vermelho a uma revisão que seria feita à custa do seu sangue, suor e lágrimas.

Não há sequer garantia de que o Governo saído das eleições marcadas para 10 de março de 2024 dê continuidade a este modelo de gestão e organização.

O caos está instalado no SNS. Um SNS onde continua por concretizar a valorização das carreiras dos enfermeiros, uma questão que há muito preocupa o Sindicato dos Enfermeiros – SE. Estamos cansados e esgotados. E, em boa verdade, este é um passo fundamental para assegurar a motivação dos profissionais e para garantir a prestação de cuidados de Saúde adequados. No entanto, o atual Governo não apresentou qualquer medida concreta para valorizar as carreiras dos profissionais de Saúde.

O problema no SNS, há muito que o Sindicato dos Enfermeiros – SE o diz, não é conjuntural, é estrutural mesmo. Problemas estruturais que têm de ser resolvidos de forma urgente. Porém, em oito anos, o Governo nunca apresentou medidas concretas para resolver estes problemas. Preferiu manter uma simulação de negociações. Desde logo em torno da crónica falta de recursos humanos, que nunca quis verdadeiramente resolver. É indesmentível, e a cada mês que passa ainda mais: o SNS está a braços com a falta crónica de enfermeiros e outros profissionais de Saúde. E esta escassez está a contribuir para o aumento sucessivo da carga de trabalho dos enfermeiros e demais profissionais, que estão cada vez mais cansados e esgotados.

O que sabemos é que por causa desta má gestão, continuam centenas de enfermeiros a emigrar e a abandonar o SNS.

Todos estes problemas entroncam numa questão central: a falta de investimento. O SNS não precisa que se despeje dinheiro em cima dos problemas. O que faz falta é um investimento estratégico e significativo para melhorar as condições de trabalho dos enfermeiros e dos demais profissionais de Saúde, para renovar os equipamentos e para construir novas unidades de Saúde.

A 15 de janeiro de 2022, escrevia aqui mesmo, no Observador: “Quaisquer que sejam os resultados saídos das urnas, o Sindicato dos Enfermeiros – SE continuará totalmente empenhado na defesa intransigente dos direitos dos enfermeiros portugueses. O novo Parlamento, e o novo Governo dele emanado, terá no SE um parceiro fulcral para o diálogo. Mas também um guardião e um defensor da Enfermagem no nosso País. Porque não podemos continuar a adiar, novamente, a valorização e dignificação da profissão”. 22 meses depois, estas certezas continuam perfeitamente atuais. Tal como os desafios aos futuros deputados: “os enfermeiros portugueses não podem esperar mais tempo pelo cumprimento de promessas antigas e justas. As nossas reivindicações devem ser prioritárias na agenda dos partidos com assento na Assembleia da República”.

Somos enfermeiros. Não somos escravos.