As contas são fáceis de fazer e não carecem de grande ciência. Em 2021, no Setor da Saúde, o Estado Português gastou cerca de 530 milhões de euros com a contratação de profissionais de saúde para a prestação de serviços à tarefa e com o pagamento de horas extraordinárias. Desta verba, um pouco mais de 100 milhões foram para pagar a realização de horas extraordinárias a enfermeiros. Resta saber o quanto mais vão crescer estes valores no Serviço Nacional de Saúde em 2022.

Perante este cenário o que faz o Governo? Apresentou nesta segunda-feira uma proposta de Orçamento de Estado para 2023 que contempla, na área da Saúde, um modesto acréscimo de 153,3 milhões de euros com a despesa em pessoal. Ou seja, cerca de um quarto dos gastos com profissionais de saúde e horas extra em 2021.

Pelo meio, foi encetado um processo negocial com os enfermeiros, onde foi prometido pela anterior equipa do Ministério da Saúde que alguns dos problemas que afetam a classe há décadas seriam resolvidos num curto espaço de tempo.

Soluções que, naturalmente, vão ter implicações monetárias, logo, um acréscimo de custos para o SNS. Com que verbas vão ser pagos estes “acréscimos”? Ou será que todo este processo negocial, mantido ao longo de cinco meses e apenas suspenso pela demissão da ministra Marta Temido, foi um enredo para manter os sindicatos de enfermeiros serenos e pouco contestatários?

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A verdade é que os gastos com a contratação de horas extraordinárias e de profissionais de saúde para a prestação de serviços de forma temporária refletem uma notória escassez de recursos humanos no SNS. E nem o contexto pandémico que se vivia em 2021 explica o volume de gastos registados. Os dados são claros e não há como escondê-los: é necessário contratar mais enfermeiros para o SNS, para dessa forma assegurar que o cuidado de saúde aos doentes é prestado com garantias de segurança.

O sucessivo encerramento de urgências de Ginecologia e Obstetrícia ao longo de todo o verão é um reflexo, levado ao extremo, das dificuldades que todos os dias se vivem no SNS. Serviços onde um enfermeiro tem 30 ou mais doentes sobre a sua responsabilidade e onde a necessidade de deslocar um doente para outro serviço, de forma a realizar um mero exame de rotina, pode complicar irremediavelmente a prestação de cuidados de saúde aos restantes doentes ali internados.

Não tenhamos ilusões. A melhoria da prestação de cuidados de saúde e de assistência aos doentes só será possível com o reforço do capital humano, com a valorização da carreira de enfermagem e com a resolução de diversas injustiças que há demasiados anos pendem sobre os enfermeiros portugueses. De nada vale investir 100 milhões na construção de um novo hospital se, depois, não tivermos profissionais em número adequado para prestar cuidados de saúde. De que vale gastar cinco milhões de euros em tecnologia de ponta se, no dia a dia, os técnicos continuam a escassear?

As pessoas são o melhor e mais importante ativo do Serviço Nacional de Saúde. São elas que, ao longo de 43 anos de existência do SNS, têm feito deste um dos melhores sistemas de Saúde do mundo. Não investir nelas é renegar o legado de António Arnaut e todos quantos, com ele e depois dele, idealizaram um SNS universal e tendencialmente gratuito, capaz de dar resposta às necessidades de saúde dos portugueses e colocando o nosso País no topo mundial de alguns dos mais importantes indicadores.

Será que o Governo acredita mesmo que mais 153 milhões de euros vão resolver todas as carências que existem em termos de recursos humanos do SNS?