À primeira vista são só cordeiros, mas é frequente suspeitar-se de que alguns serão lobos por dentro.   Há no entanto um problema prático: como é que se distingue um lobo por dentro?   O impulso normal é o de puxar as peles de cordeiro, como quem puxa uma barba postiça.  Este impulso tem contudo duas desvantagens:  o de poder puxar as peles de cordeiro dos cordeiros, e correr o risco de os magoar; e o de aborrecer os verdadeiros lobos, que com probabilidade virariam o dente a quem os destapa, e que assim não sobreviveria ao inquérito.

Vistos os inconvenientes do impulso normal, é razoável tentar explorar métodos extraordinários.   Um método extraordinário comum é imaginar que existe uma máquina, provavelmente um sensor, que nos permite aceder ao interior dos cordeiros ou, melhor, atravessar como com um raio mágico o espesso tapete de cordeiro que não sabemos se é epiderme ou artimanha.  Esta dificuldade é ainda aumentada pelo facto de lobos, cordeiros e respectivas peles serem metáforas.

Realmente o que precisaríamos seria de uma máquina que nos conseguisse fazer aceder à consciência do cordeiro aparente e assim nos ajudasse a determinar se se trata de um cordeiro genuíno.   Um falso cordeiro, se esquecermos por um momento as atrapalhações dos pêlos e dos caracóis, ou pelo menos um cordeiro competentemente falso, seria um cordeiro que passasse com distinção no teste do exame de consciência; e o seu carácter lupino consistiria justamente em, examinada a sua consciência, não se conseguir evidência de pensamentos que nos permitissem pensar tratar-se de um lobo.

As vulnerabilidades deste método levam-nos a considerar um segundo procedimento, que o Evangelista tornou conhecido, e que é o de observar os comportamentos ou as consequências dos comportamentos dos candidatos a cordeiro, ou dos alegadamente lobos.   “Decerto pelos frutos,” observou, “os conhecereis.”  O critério do Evangelista parece menos exposto às dissimulações dos lobos.  O comportamento agnal de um lobo é seguramente uma dissimulação lupina.  A esperança é todavia a de que o lobo não possa agir de todo ou permanentemente como um cordeiro.  Se não puder de todo, revela-se como aquilo que é; e se não agir permanentemente revela-se ao fim de um certo tempo como um falso cordeiro.

Este procedimento tem uma vantagem importante sobre o exame da consciência, e que não é meramente logística.  É decerto o caso que um lobo persistente agirá de modo continuado como um cordeiro.  Na analogia do Evangelista, produzirá por isso continuadamente bons frutos.   Agindo deste modo será porém indistinguível de um perfeito cordeiro, embora de um cordeiro que imagina ser outra coisa, e sem noção exacta daquilo que realmente é.  Persistir na ideia de que podemos ser lobos disfarçados de cordeiros é um erro que resulta de nos concentramos demais em determinar quem somos por dentro.  Sem erros desses, teríamos uma noção mais exacta daquilo que realmente somos.

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