No dealbar do novo governo, aguarda-se com expetativa os nomes dos novos protagonistas nas várias pastas governativas. Nesse quadro, espero com redobrada atenção, como seria de adivinhar, o anúncio do próximo Ministro da Justiça.
A escolha dos titulares dos cargos ministeriais é muito mais do que montar um puzzle de nomes e perfis para embelezar um elenco que seja política e socialmente apresentável ao país. Esse processo é, desde logo, um momento definidor do projeto-reitor de quem escolhe os protagonistas e do impulso que quer (ou não quer) imprimir em Portugal.
Pela sua importância estrutural no Estado de Direito Democrático, pelo défice de atenção e ação a que foi votado nas últimas décadas e pela crise conjuntural que a Justiça atravessa, é essencial que o próximo Ministro seja uma personalidade com estatuto político e relevância social no plano nacional.
Sem um nome forte com capacidade de afirmação nos corredores do mundo político, e com prestigiado acumulado junto da sociedade civil, a Justiça arrisca-se a continuar a ser um parente pobre totalmente irrelevante e invisível na ação governativa.
Parece-me igualmente essencial que esta personalidade saiba ser pragmática no plano executivo e desempoeirado no plano relacional. Ou seja: precisamos de um Ministro da Justiça que saiba decompor o seu programa em medidas simples de impacto prático, concreto e cirúrgico, e que, para o aplicar, saiba dialogar com sentido de compromisso com todos os atores principais do sistema. A Justiça assemelha-se hoje a um doente que vai de médico em médico à procura de diagnósticos e que depois não toma os remédios. Sabe o que está mal, mas não administra o que o pode curar.
Isto passa, evidentemente, pela apresentação de um programa em formato “simplex”, delineado sob medidas-força de exequibilidade objetiva e imediata, que respondam aos desafios (já estudados) que a Justiça enfrenta. Na minha perspetiva, a prática dos tempos modernos de se construírem planos de “bandeiras“ abstratas (quando a execução de muitas delas, senão as principais, não dependem de quem as apresenta) não significa necessariamente ambição, se não uma forma de baralhar tudo para que tudo fique na mesma.
Estou em crer que é, também, muito importante que o novo Ministro tenha o condão de credibilizar a Justiça aos olhos dos portugueses. Nesse sentido, caber-lhe-á estabelecer uma forte ligação empática com o povo português, e protagonizar um novo relacionamento deste com a Justiça. Ninguém pode substituir o papel dos media na mediação da mensagem com o povo, nem isso seria legítimo numa democracia que se quer madura, mas é importante para o sistema que o incumbente seja capaz de comunicar com atualidade e serenidade as incidências próprias da Justiça.
Por fim, é importante que o novo Ministro da Justiça reúna os predicados necessários que lhe permitam ter uma ação unificadora dos vários ramos da “família judiciária”, baseada no respeito pelas suas salutares diferenças, e sustentada pelo espírito de convergência, pelo diálogo estruturado e pela concertação de posições.
Assumindo esse ponto-chave, será imprescindível trabalhar em denominadores comuns e criar uma plataforma de entendimento concreto sobre questões consensuais – aquilo a que muitos apelidaram a famigerada “Reforma da Justiça”. Esse é um trabalho de fundo e exigente, mas possível, se houver engenho, arte e saber. Como já defendi antes, recai sobre Senhor Presidente da República, pela sua formação e pelo papel central na arquitetura do Regime, o dever político de dar respaldo ao novo Ministro nesse desígnio nacional.
Em plena semana Santa de 2024, aguardemos esperançosos de que do eixo Belém-Lapa soe um nome que inaugure um novo ciclo de ambição para o Ministério da Justiça.