Como Portugueses, democratas e cidadãos falhámos. Se o clima do discurso fácil e sem contraditório das redes sociais já era notório, bem como o modelo de comunicação social orientada para os cliques e audiências, as eleições regionais dos Açores, o caso de corrupção na Madeira e a campanha para as Legislativas 2024 vieram revelar um estado de erosão, fracasso e progressiva destruição do nosso sistema democrático que presumíamos ser sólido e saudável.

A política, os partidos e os políticos são culpados nesta redução do pluralismo das ideias, dos factos, dos argumentos e contra-argumentos, a meros e incendiários segundos, a meras catch-phrases que poderão vir a ser headlines nos meios de comunicação social. Essa política, esses partidos e esses políticos, contudo, somos todos nós. Num sistema democrático republicano e pluripartidário, não existem intocáveis morais, e nós, cidadãos, somos e temos de ser políticos. Somos nós que compomos os partidos, por isso, se estes estão dominados por intenções diversas do compromisso político, a responsabilidade também é nossa. Tudo o que acontecer dia 10 de março é fruto da responsabilidade coletiva de 10 milhões de pessoas, de 10 milhões de portugueses.

Somos responsáveis, porque não temos um sistema de ensino capaz de providenciar formação e munir de capacidade política os mais jovens, os menos jovens e os mais velhos. Deparamo-nos com uma realidade na qual a grande maioria dos jovens recém-eleitores tem os seus primeiros contactos políticos através de vídeos, tweets ou reels, declarações curtas, populistas e fomentadoras de ódio. Nos 50 anos do 25 de abril, desonramos Salgueiro Maia, pois deixamos que um partido que usurpa o discurso anti-corrupção e anti-elites (que convenientemente se ausenta da discussão destas matérias em sede de Assembleia da República, enquanto é financiado e apoiado por essas mesmas elites) e que defende tudo aquilo que lhe é contrário, crescesse e nos infetasse, apresentando agora possíveis e palpáveis hipóteses de fazer parte de um governo.

É urgente resgatarmos a sociedade da apatia, dos muros intransponíveis e do diálogo impossível. Vivemos um autêntico “clima de aquecimento global”, onde eleitos e eleitores se atacam e contra-atacam: “Eu estou completamente certo e tu totalmente errado, porque não concordas com a minha visão”. Ora, a democracia só é eficaz enquanto sistema, se tiver cidadãos que queiram viver em sociedade, isto é, indivíduos que, naturalmente, concordam e discordam uns dos outros, mas que são capazes de respeitar a diferença, mudar de opinião e criar consensos, respeitando a soberania das urnas, e deixando que a democracia livre e plural funcione. As ciências sociais são complexas, não chega resumi-las a uma só causa ou a um só facto para as compreender. Exige-se a ponderação de uma multiplicidade de fatores, bem como a noção de que estes estão em constante mudança. Os vídeos curtos do Instagram, os ataques ferozes a outros partidos no Tik Tok, os debates de 30 minutos seguidos de horas e horas de comentário contribuem muito pouco, senão zero, para um próspero futuro social, económico e democrático.

Esse caminho é aquele que culmina no “não-futuro”, no retrocesso, e preocupa-me que todos os partidos sejam praticamente forçados a participar nesta bárbara batalha campal de guerra mediática intergeracional. Ficam pelo caminho o apelo às ideologias, aos projetos e às medidas devidamente justificadas e argumentadas. Ficam pelo caminho a empatia, a seriedade e a honestidade intelectual dos líderes políticos. Sejamos jovens ou velhos, trabalhadores, desempregados, estudantes ou reformados, ganhemos, de uma vez por todas, consciência de que o futuro não é a instantaneidade das redes sociais, o futuro não são segundos: o futuro é aquilo que a dura luta dos cravos de Abril nos trouxe, o futuro terá de ser liberdade, igualdade, progresso e consolidação da ideia de que ser-se português, é ser-se democrata e humanista.

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