Em épocas de sufrágio as semanas são recheadas de campanhas partidárias. Cartazes são afixados em todos os cantos de todas as ruas, os políticos abordam cidadãos a cada dia da sua jornada pelo país, e os próprios comentadores analisam com abundância e profundidade aquilo que cada líder profere nos vários momentos. No entanto, apesar desta riqueza de ideias e promessas que são amplamente difundidas anteriormente às eleições, existe um conjunto de horas em que o apelo ao voto não pode ser exercido: as horas imediatamente anteriores ao ato eleitoral, ou o chamado “dia de reflexão”.
Esta condição entrou juridicamente em vigor em 1975 e desde então que tem o objetivo de criar um espaço de tempo para que os eleitores pensem nos projetos políticos concorrentes e possam decidir-se de maneira fundamentada por um deles (ou se até optam por nenhum, valorizando o voto em branco e o voto nulo). A ideia é que exista um sentido democrático de os partidos suspenderem o seu frenético convite ao sufrágio nas suas propostas e deixarem os cidadãos entregues à sua própria consciência, que é igual entre todos e importante para cada um de nós.
No entanto, já várias forças e protagonistas políticos têm vindo a questionar-se sobre a relevância real deste dia de reflexão. O principal argumento é que se trata de uma lei anacrónica, ou seja, que já não se adequa aos tempos em que vivemos.
Uma primeira pista para isto mesmo pode ser encarada como de cariz moral ou anímico: as pessoas, na sua esmagadora maioria, não se sentam em conversa umas com as outras para cogitarem sobre os prós e os contras de cada opção. Seja pelos mais diversos motivos – ausência de tempo para uma reflexão cabal, falta de vontade ou de interesse pela política, parco conhecimento acerca das propostas de cada candidato ou partido, entre outras – o povo prioriza outros eventos da sua vida, desligando-se muitas vezes da tomada de decisão antecipada.
Um segundo motivo que legitima a crítica à lei do dia de reflexão é de ordem prática: com a investida cada vez mais rompante e disruptiva das redes sociais digitais, que criam, no espaço eletrónico, novos contextos de partilha de opiniões e informações, torna-se cada vez mais difícil assegurar que os partidos cumprem a regra do não apelo ao voto. Colocando de parte as páginas e os perfis oficiais destas forças políticas e dos seus representantes mais conhecidos nunca sabemos se não existem ovelhas tresmalhadas a ativarem as suas tentativas de influência, por mais subtis que possam parecer.
Finalmente, uma terceira justificação penetra a dimensão ideológica: como já argumentou a Iniciativa Liberal em 2021, esta lei pode ser encarada enquanto “paternalismo estatal”, como se o Estado devesse ter o direito de decidir quando é correto os eleitores tirarem um tempo para pensarem quem eleger.
Tendo em conta todas estas razões, que tornam o dia de reflexão relativamente inútil, por um lado, e até de certo modo perverso no combate à abstenção, por outro, há quem defenda a eliminação do mesmo. Porém, a meu ver, poderia ser tentada ainda uma solução que conservasse a existência deste momento sem que caísse na banalidade. Tal seria fácil através da junção dos candidatos no enaltecimento do valor da democracia.
Por outras palavras, para além dos minutos eleitorais que os partidos têm na RTP, poderia reservar-se um período em que os líderes dos partidos com assento parlamentar estariam juntos reforçando a importância do voto para a vitalidade do nosso regime democrático. Creio que assistir a um pequeno vídeo de alguns minutos com estes responsáveis juntos, todos proclamando não o voto nos seus partidos, mas sim o voto no geral, com frases como “é importante que venha votar, pois a democracia depende da sua escolha” ou “cada um de nós é uma peça-chave para a manutenção do modo de vida democrático” permitiria aos cidadãos ver que, dentro daquilo que é tão distinto entre as forças partidárias, estas conseguem manifestar a cordialidade necessária entre si e um empenho dedicado à causa do combate à abstenção.
Um melhor aproveitamento do dia de reflexão é isto mesmo: permitir a compreensão dos eleitores de que a eleição numa urna significa a permanência dos valores da justiça, da igualdade, da representação pública – e, até, um maior escrutínio aos governantes e aos políticos na generalidade.