Há anos que observamos que as áreas de educação tradicional STEM não têm conseguido dar resposta à crescente procura que as empresas têm por profissionais de TI. Na União Europeia, os dados mostram-nos que o campo STEM é o segundo mais frequentado quando se trata de educação terciária (estudo da Eurostat de 2021 disponível aqui), mas pergunte a qualquer recrutador que trabalhe no campo tecnológico (eu pessoalmente faço-o há mais de uma década), e eles vai dizer-lhe que nunca há pessoas suficientes para preencher as suas vagas. A procura por talento tecnológico tem sido, desde o início, muito superior à oferta.
Este não é um panorama específico de Portugal, ou limitado à União Europeia – estamos a falar de uma escassez global de talento, que apesar da crise económica que testemunhamos hoje, ainda é uma realidade muito presente. Uma realidade que agora transcende fronteiras, à medida que mais e mais empresas estão a adotar estratégias globais de recrutamento, e/ou a contratar pessoas remotamente, independentemente de onde estejam. Mas apesar dessa quebra de fronteiras geográficas, parece nunca haver talento suficiente, especialmente se estivermos a olhar para os graduados em STEM.
Embora estejamos ainda longe de uma solução definitiva e duradoura, vale a pena falar sobre como as coisas melhoraram para as empresas com uma grande mudança de paradigma nos últimos anos: candidatos a empregos na área tecnológica (sejam eles engenheiros de software, data scientist, especialistas em produto, etc.), começaram a fazê-lo sem uma licenciatura ou mestrado em STEM a apoiá-los. Bootcamps intensivos, cursos online credenciados e não credenciados (alguns mais complexos do que outros) e autodidatismo estão longe de se tornar a norma, mas estão rapidamente a ganhar terreno. Claro, nem todas as empresas estão abertas a esse tipo de talento. As vozes mais conservadoras afirmarão que a falta de profundidade e amplitude do conhecimento fundamental, bem como de um ambiente de aprendizagem estruturado resultante de um curso superior acabará por limitar os autodidatas, por exemplo, a encontrar soluções mais criativas para problemas que podem ter aprendido intuitivamente a resolver de apenas uma maneira. Por outro lado, temos as vozes otimistas que dirão que a disciplina e dedicação próprias dos autodidatas atingirem o mesmo nível de profissionais graduados é algo que às vezes pode ser ainda mais valioso.
Ambos são pontos válidos, e a conclusão pode muito bem ser que, tal como não se deve julgar um peixe pela sua capacidade de subir a uma árvore, apenas precisamos de avaliar as competências desses dois grupos pelos contextos em que os colocamos. Se considerarmos uma empresa de tecnologia estabelecida num setor altamente regulamentado, numa área de investigação e desenvolvimento ou num ambiente académico, a probabilidade de alguém com diploma na área STEM se destacar tende a ser superior face à de um indivíduo talentoso que decidiu aprender programação por conta própria. Por outro lado, um ambiente de startup, num projeto de código aberto ou numa comunidade, é muitas vezes um excelente contexto para vermos um autodidata a brilhar.
Embora o ensino universitário tradicional tenha o seu merecido lugar de respeito na comunidade de investigação e de trabalho, é essencial que se considere tanto as competências como o potencial que um autodidata traz para a mesa, especialmente considerando o contexto laboral e como estes diferentes perfis se poderão adaptar ao mesmo. É uma questão tão idealista como pragmática. Sou certamente tendenciosa, visto que acabei por desistir da universidade por não me rever no modelo educacional tradicional. O meu caso pode não ser o mais convincente, mas não quero recorrer às histórias tradicionais de “Bill Gates e Steve Jobs largaram a universidade”.
A vida raramente tem uma solução única para os problemas. E o problema da oferta e procura do mundo tecnológico é um que fico feliz por ver cada vez mais resolvido com soluções fora da caixa – sejam profissionais requalificados, profissionais em transição com competências transferíveis, graduados de bootcamp ou autodidatas. Ignorar este talento apenas aumentará os problemas das empresas de tecnologia com as suas ofertas de emprego perpetuamente abertas para as quais nunca há candidatos suficientes.
O Observador associa-se à comunidade PortugueseWomeninTech para dar voz às mulheres que compõe o ecossistema tecnológico português. O artigo representa a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da comunidade.