No início de Março, perante a ausência de diretrizes da DGS relativamente à vacinação contra a Covid-19 de pessoas com deficiência, três mães de jovens com deficiência resolveram elaborar uma Carta Aberta, a apelar às entidades decisoras para a vacinação prioritária deste grupo de pessoas. Rapidamente tiveram o apoio de 100 personalidades da sociedade civil, por considerarem esta causa justa e premente.

Nesta fase, e em nome das outras 2 proponentes da Carta Aberta – Ana Camilo Martins e Maria Assis – aproveito este espaço para fazer uma avaliação do nosso trabalho e da forma como a DGS e o Ministério da Saúde têm gerido o processo de vacinação de pessoas com deficiência. Apesar de todos os contactos com a DGS e o Ministério da Saúde, apesar de toda a pressão feita através dos meios de comunicação, nunca houve uma resposta clara relativamente ao rumo a seguir na vacinação de pessoas com deficiência. Na prática, a vacinação desta população tem sido errática e incongruente não só porque não foram ouvidos os especialistas nesta matéria (pais, cuidadores, técnicos, professores…), mas porque ao olharem para a deficiência tiveram como ponto de partida a doença, a lesão física. Neste caso, esta abordagem não é a mais correta: a deficiência deve ser entendida como um conceito amplo e relacional. Para se considerar alguém como deficiente deve ser feita uma abordagem biopsicossocial, tendo em conta os fatores biomédicos, fatores psicológicos, fatores sociais e fatores ambientais. Nesta perspetiva, uma pessoa com deficit intelectual ou autismo não é vulnerável à Covid-19 só por causa da sua lesão ou disfunção, mas essencialmente devido a questões relacionadas com a sua autonomia, dificuldades na comunicação ou no relacionamento interpessoal. Infelizmente, e porque a DGS não adotou esta perspetiva, estes dois grupos não são considerados como prioritários na vacinação contra a Covid-19!

No seguimento das reuniões que tivemos com os grupos parlamentares do PS, CDS, PSD, BE, PCP e Verdes,  elaboramos e enviamos a todos os grupos parlamentares um critério para a vacinação de pessoas com deficiência, que consideramos ser exequível e abrangente, acabando por ser adotado pelo PSD e CDS nos Projetos de Resolução que apresentaram: incluir como grupo prioritário na 2ª fase de vacinação pessoas com deficiência com grau de dependência a incapacidade comprovada igual ou superior a 60%, não institucionalizadas, e com idade igual ou superior a 18 anos.

A DGS entendeu não seguir este caminho. Sendo assim, consideramos importante explicitar o que a DGS fez relativamente à vacinação das pessoas com deficiência.

Na primeira fase da vacinação foram vacinadas pessoas com trissomia 21 e pessoas com deficiência institucionalizadas e residentes em lares. Contudo, no último caso não foram vacinadas as pessoas com deficiência que frequentam os Centros de Atividades Ocupacionais (CAO) destas instituições e não residentes nos lares. Por este motivo, os residentes dos lares ficaram fechados sem possibilidade de frequentarem os CAOs. Só no fim do mês de Abril, a Segurança Social pediu a estas instituições que dão apoio à deficiência a lista dos utentes e funcionários dos CAOs para proceder à sua vacinação. Incompreensivelmente, a vacinação nos CAOs tem-se processado a ritmos diferentes. Se há CAOs onde os utentes já receberam a segunda dose, há outros onde a vacinação ainda não começou.

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Na segunda fase da vacinação, com a atualização da norma 002/2021 passaram a ser consideradas como prioritárias as pessoas com doenças neuromusculares e as pessoas com paralisia cerebral. Mais uma vez, a DGS adota uma visão médica da deficiência e não biopsicossocial, o que acarreta incongruências e injustiças. Por exemplo: podem ser vacinadas pessoas com paralisia cerebral, que apesar de terem uma lesão não experimentam a deficiência por não terem deficits cognitivos, dificuldades na comunicação e serem autónomas no seu dia-a-dia, não sendo por isso de risco acrescido. Contudo, são deixadas de fora as pessoas com deficiência mental e autismo que, pelos motivos acima enunciados, são um grupo de alto risco e deveria ser considerado prioritário.

Concluindo, as pessoas com deficiência não foram adequadamente incluídas na resposta à Covid-19, resultando daqui um impacto muito negativo, tanto nas suas vidas como nas vidas dos seus familiares e cuidadores, refletindo a injustiça social e exclusão em que vivem. Se é verdade que houve respostas muito positivas ao nosso apelo da parte de alguns agentes políticos, como os grupos parlamentares identificados acima, o Presidente e o Executivo da Câmara Municipal do Porto e o Presidente da Câmara Municipal de Loures, bem como de vários ex-governantes, a falta manifesta de interesse e de resposta da Presidência da República, do Governo e da DGS foram frustrantes e incompreensíveis.

As nossas instituições políticas de topo, mais uma vez, falharam deixando para trás os mais vulneráveis.