Valorizar o interior? Claro que sim, mas o que isso significa?

Se me perguntam se concordo com a valorização do interior, é claro que a resposta é sim e acredito que ninguém será contra. Infelizmente constato que concordo com isso há algumas décadas. Digo infelizmente porque não vejo quaisquer resultados das diversas estratégias, com as quais estava de acordo.

Já não é a primeira vez que o País é confrontado com a necessidade em revitalizar territórios rurais e regiões distantes dos centros urbanos do litoral. O problema é que se olharmos friamente para a realidade desses territórios só há uma conclusão a tirar: o interior está cada vez mais próximo do litoral.

Ou seja, as diversas “Valorizações do Interior” não produziram os resultados esperados e grande parte dessa incapacidade deve-se à falta de “abordagens de fileira dessas estratégias”. Ao invés de atenuar a tendência de abandono, as estratégias adoptadas apenas aproximaram a perda de dinamismo dos grandes centros urbanos do litoral.

Uma boa forma de explicar o que significa essa “falta abordagem de fileira” é olhar para o Mundo Rural, uma vez que é um dos pilares fundamentais dessa valorização e arrisco-me mesmo a dizer que sem ele nenhum “interior será revitalizado”.

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As estratégias e políticas de desenvolvimento do Mundo Rural foram sempre pontuais e localizadas no espaço e no tempo. O que o Mundo Rural precisa é de instrumentos de política que acompanhem o Mundo Rural do “Prado ao Prato”, da “Vinha ao Copo”, do “Pomar à Sobremesa”, e por aí adiante.

Ou seja, de nada adianta criar incentivos para o aumento de rebanhos de cabras e ovelhas se não forem potenciadas condições para que o consumo de cabritos e borregos também aumente. Da mesma forma, de nada vale adoptar sistemas de produção de qualidade se não conseguimos escoar esses produtos, gerando maiores mais-valias e revertendo uma parte significativa desse aumento de valor aos agricultores e proprietários, compensando dessa forma os constrangimentos ao desenvolvimento desse modelo de produção, ou seja repartir o rendimento de forma justa por toda a cadeia de valor.

Essa abordagem só é possível envolvendo todos os agentes desde o início do delineamento da estratégia. Ninguém sabe tudo ou é especialista em todas as áreas.

Aliás, uma das debilidades das estratégias de “valorização do interior” é não terem na base o reforço e promoção dos modelos de organização de agricultores e proprietários, em especial aqueles com capacidade para intervir no mercado, ou seja, aqueles com vertente agro-industrial.

E porque é tão importante a questão industrial?

Porque esta transformação permite aos agricultores assegurarem condições de acesso ao mercado mais estáveis, criando produtos com maior valor acrescentado e tornando mais eficiente o cumprimento das normas e regulamentações, ou seja, utilizando de forma mais eficiente os recursos.

Acresce ainda que a produção agro-industrial de base cooperativa “não se deslocaliza” e assim contribui para a coesão social desses territórios.

Mas então o que é uma abordagem “Do Prato ao Prado”?

Em primeiro lugar uma estratégia de desenvolvimento da actividade agrícola, ou seja, o começo de tudo. O uso rural é dominante e as actividades rurais são por isso fundamentais enquanto pilar de sustentabilidade e de coesão.

Em segundo lugar o desenvolvimento de modelos de produção adaptados às novas características sociais, económicas e ambientais desses territórios. Não podemos continuar a utilizar modelos ultrapassados que não respondem ás necessidades actuais dos mercados e às expectativas da sociedade.

Estas duas abordagens devem permitir identificar a “gama de produtos e modelos de produção” adaptados a determinadas regiões, não impondo essa escolha, mas criando condições para que os agricultores possam optar pela mais vantajosa.

Em paralelo, é fundamental desenvolver a actividade agro-industrial associada a esses produtos e ao aos “potenciais mercados”. Esta transformação industrial deve ir no sentido de produtos diferenciados, inovadores, mas que mantenham a “sua ruralidade”, pois é isso que lhe dá parte do valor.

Como suporte desta rede industrial existe já hoje um conjunto de cooperativas agrícolas que demonstram resistência e resiliência, ao mesmo tempo que inovam e se adaptam a essas novas realidades. Mas precisam de uma estratégia própria que reconheça as suas especificidades.

Finalmente devemos “criar e procurar” os nossos mercados. Os produtos nacionais e a imagem “Portugal Rural” são um excelente cartão de visita que bem promovido reforçará a imagem nacional como destino turístico de eleição.

Estes “novos mercados” também existem a nível interno. Se não formos nós a defender o que é nosso, dificilmente conseguiremos que outras nacionalidades o façam. É fundamental reforçar a ligação dos portugueses ao campo e à produção nacional.

Ao mesmo tempo devemos contrariar estas novas tendências de promoção de estilos de vida alternativos e que procuram construir paisagens e sistemas de outras paragens e continentes.

Finalmente, estas temáticas têm de ser incluídas nos programas escolares, reaproximando a população mais nova e as futuras gerações ao Mundo Rural. As novas gerações precisam de saber o que nosso Mundo Rural é a origem dos produtos que comem e bebem em casa, ao mesmo tempo que é um pilar do nosso mundo natural.

Tudo isto merece que “todo o Governo” se empenhe neste esforço e que os diversos ministérios coordenem esforços para atingir esse objectivo comum de “Valorizar o Interior” do Prado ao Prado.

De nada vale um ministério promover as actividade agrícolas e agro-industriais e outro considerá-las apenas como depredadoras e consumidoras de recursos e como tal merecedora de regulamentação mais restritiva e punitiva. Não é coerente com a valorização do interior atribuir responsabilidades excessivas em matérias de “carbono” à agricultura como forma de compensar a desresponsabilização de outros sectores de actividade “mais litorais”.

Não somos os únicos a enfrentar este problema, o que não temos é a coragem para aceitarmos quem somos e o que somos. Temos muitas vezes alguma vergonha de reconhecer que gostamos do que é nosso, que as nossas paisagens são o resultado do nosso trabalho rural e que se calhar até já dispomos de modelos resilientes e com capacidade para produzir, valorizando as pessoas e os territórios.

Assim só posso concluir que esta “nova estratégia de valorização do interior” será provavelmente como as outras, um conjunto de boas vontades e de objectivos redondos, cujo impacto será momentâneo. É uma estratégia descaracterizada e sem cariz rural, que ainda é e será o uso do solo dominante no interior.