Deve ter sido dos corantes e conservantes. Ou da falta deles. Só sei que nos verões dos anos 80 a vida sorria. Sorria mesmo. Comêssemos ou não os gelados  que nos garantiam que ela, a vida, sorria. Da SIDA às discriminações, tudo se ia resolver.  De facto nós acreditávamos não só que a vida ia ser melhor como que o seu desenho era o de uma curva ascendente a caminho do bem estar, da liberdade e do fim das injustiças. Havia caminhos diferentes para atingir tudo isso mas era certo que lá chegaríamos. Agora, em 2020, fomos para casa por causa de uma curva que tinha de achatar e achatou mas agora, em algumas zonas está a deixar de achatar mas parece que isso já não representa problema algum.

Nos anos 80, vivíamos rodeados de estátuas que muitas vezes não despertavam em nós grande interesse até porque tínhamos como objectivo não derrubá-as mas sim levantar outras. Nesses tempos em que vivíamos rodeados dos nefandos males que agora querem que exorcizemos, os censores nunca estavam do lado certo: quando um programa de Herman José, na RTP, foi suspenso por causa da encenação de uma entrevista histórica à Rainha Santa Isabel o humorista não pediu publicamente desculpas e os seus amigos não o renegaram. Como então acontecia, logo outros convites para outros trabalhos noutros meios surgiram. E sobretudo o país riu-se do que viu como um despropósito. Querem comparar com o que acontece actualmente? Com essas sessões de auto-punição pública nas redes sociais que parecem decalcadas das sessões de autocrítica dos estalinistas e dos maoistas?

Deixámos de acreditar que a vida sorri porque deixámos de nos indignar com o autoritarismo e a mediocridade? Ou terá sido ao contrário? Não sei mas sei que alguma coisa aconteceu para que aceitemos com resignação dias como os que acabamos de viver. Dias de:

Socialismo, pimba e futebol. A cerimónia que teve lugar no palácio de Belém para celebrar o anúncio da UEFA de que Lisboa vai receber a Final Eight da Champions é o momento que define o presente regime: socialismo, pimba e futebol, uma sucessão de eventos, cada um deles apresentado como mais extraordinário que o anterior.

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Cada evento é um palco para a oligarquia. Mal um palco se desmancha outro se tem de erguer pois o regime do socialismo, pimba e futebol não é compatível com a gestão do dia a dia. A queda do regime acontecerá quando a realidade se impuser à capacidade dos protagonistas de terem permanentemente um evento em cena, uma causa urgente a acudir.

O regime do socialismo, pimba e futebol faz de nós parvos na verdadeira acepção da palavra mas não só não tem nada de parvo como é dotado da esperteza aguda de quem reduziu o pensamento ao instinto da sobrevivência. Assim os oligarcas do socialismo, pimba e futebol conduziram-nos ao seguinte dilema: temos de suportar o populismo presente pois a alternativa, garantem-nos, são populismos ainda piores.

Semeando tempestades. A chegada de embarcações de Marrocos aumenta a confusão em torno da imigração que agora se chama migração e dos imigrantes que passaram a requerentes de asilo, migrantes ou refugiados: o Algarve está ser a ser testado como destino pelas redes de tráfico de pessoas. A demagogia que rodeia as questões da imigração leva a que o assunto só seja abordado quando um facto externo a tal obriga: por exemplo, a chegada de embarcações provenientes de Marrocos ou os surtos de Covid num hostel lisboeta onde tinham sido alojadas pessoas que inicialmente não se considerou importante detalhar donde provinham nem qual o seu estatuto. Mas rapidamente o silêncio volta a imperar. Contudo as razões para nos preocuparmos crescem e não só por causa do que está a acontecer no Algarve. Por exemplo, esta semana o Público revelou que “contra regras da ONU, SEF volta a deter 77 crianças migrantes, algumas por mais de um mês. Em 2019 houve 25 menores não acompanhados e 52 acompanhados que ficaram detidos, revela relatório europeu.” Quem são estes menores não acompanhados? Donde vêm? Como é que aqui chegaram? Com que documentação viajam esses menores?… A questão dos menores não acompanhados tornou-se num dos maiores problemas da imigração em países como a França ou a Espanha. O conglomerado das ONG’s, activistas e serviços públicos vêem neles um nicho de mercado e político. O reverso é um sem fim de questões legais e sociais inerentes à existência de adolescentes mais ou menos tutelados que muito frequentemente acabam a ser explorados por redes de prostituição e droga. Tal como acontece com as embarcações que agora aqui aportam vindas de Marrocos ainda estamos a tempo de estancar o problema. Mas para isso há que enfrentá-lo.

Visão selectiva.“Na “Zona Autónoma” de Seattle a polícia não manda, a comida é grátis e as ideias fluem” — Não, não é o Avante nem o EsquerdaNet. É tão só o Expresso a manter a velha linha das notícias-desejo sobre a URSS, Cuba, China de Mao, o Cambodja, a Guiné-Bissau… Até Jonestown antes do massacre ter revelado o óbvio foi vista como um espaço anti-racista e de felicidade comunitária por muito boa gente na Europa e nos EUA!

Convém contudo lembrar que sempre que um jornal, rádio ou televisão do mundo ocidental descrevem nestes termos um local há duas certezas a ter em conta: a primeira é que quem assina a prosa não vai ficar a viver naquele local. A segunda é que é tudo mentira. Ou seja a ausência de polícia traduz-se na proliferação de abusos e violências que depois serão denunciadas mas pouco noticiadas. O grátis está ser pago por alguém. E  obviamente as ideias não fluem porque têm um sentido único.
Há mais de um século que convivemos com esta efabulação noticiosa sobre o mundo como ele devia ser. A imprensa vive actualmente um momento marcado pela militância a que chama activismo e pelo maniqueísmo: diariamente temos a notícia patetinha sobre os EUA — do género daquela sobre a conta milionária apresentada a um doente de Covid num hospital dos EUA, conta que lá para o fim da notícia se explica estar coberta por seguro — e a apresentação dos números dos mortos de pandemia de forma a provar o sucesso dos “bons” versus os “maus”. Lendo as notícias torna-se difícil acreditar que o Brasil tem o mesmo número de mortos por milhão de habitantes que a Suíça ou o Canadá. Aliás temos de nos libertar rapidamente desta grilheta ideológica para percebermos o porquê de ser na Europa que se atingiram os valores mais altos: o facto de sermos um continente envelhecido explica os desastres belga, italiano, espanhol e britânico?

O outro lado deste maniqueísmo editorial passa pelo que não é noticiado. E nesta semana temos aí o caso extraordinário de Dijon: centenas de homens vindos doutros locais de França e também da Bélgica e da Alemanha confluíram para esta cidade francesa. Estavam armados de paus, ferros, armas automáticas. Aí fizeram perseguições e agressões. Incendiaram carros e partiram o que lhes apeteceu. A França mobilizou homens e armas. Reportagens? Notícias? Entrevistas?… Há que procurar noutras bandas para perceber o que aconteceu: um grupo de centenas de chechenos resolveu vingar a agressão de que foi objecto um jovem checheno por parte de magrebinos. Estamos por nossa conta, dizem uns e outros. Estão de facto.

Teremos sempre Odiáxere. A CGTP manifesta-se. O PCP organiza comícios e festas. Os ditos anti-racistas desfilam. Mas em Odiáxere fazer festas é uma irresponsabilidade. A ministra da Justiça quer que promotores de festa paguem indemnizações. Qual é a coerência disto?

Uma cronologia que prova que um povo se habitua a tudo.

17 de Junho: Graça Freitas: “Não chega a falsa sensação de se utilizar um termómetro

4 de Maio: Graça Freitas: “A viseira não dispensa a utilização da máscara porque a primeira protege bem os olhos e o nariz mas não protege a boca, pelo que deverá existir um método barreira como a máscara”

22 de Março: A directora-geral da Saúde garante que não vale a pena usar máscaras, nomeadamente máscaras improvisadas feitas com tecido, uma vez que não são impermeáveis e só dão falsa sensação de segurança.

6 de Março: Directora-Geral da Saúde Graça Freitas diz que, para já, não há necessidade de limitar as visitas a lares e instituições, por causa do coronavírus.

29 de Fevereiro: Graça Freitas: “Não é preciso ir a correr à procura de máscaras”

15 de Janeiro: Graça Freitas: “Não há grande probabilidade de chegar um vírus destes a Portugal”

A vida já não nos sorri. O que não quer dizer que não ria de nós.