Por ocasião das Jornadas Mundiais da Juventude e a polémica com as adjudicações diretas efetuadas para preparar o evento, dei por mim a pensar que em Portugal vivemos e fazemos à pressa, privilegiando o desconto.

Penso que é um legado do século XX, onde a cultura do desconto imperava de uma forma transversal, desde a negociação da nova viatura para a família, às obras lá de casa.

Devo confessar que também sou assim, mas nas feiras adoro negociar. Nas feiras de velharias, que visito, o diálogo que estabeleço dá-me imenso gozo e é excelente para manter a prática argumentativa. Aliás, na última compra que fiz, em Estremoz, o vendedor disse-me assim: “volte uma próxima vez se quiser ser enganado”. Sorri, mas por pouco tempo. A verdade é que quando pedimos desconto corremos mais riscos em sermos enganados.

O mesmo acontece na nossa profissão. Ao longo de uma experiência profissional de 30 anos, durante toda a minha vida só tenho ouvido os clientes a pedir desconto e a pedir a melhor solução possível para as suas necessidades pelo preço mais baixo. Eu entendo isso, mas é injusto para quem está do lado da prestação de serviços, porque sem o pagamento de um preço justo, é difícil às empresas em Portugal (uma pequena economia aberta) conseguirem investir e, portanto, inovar, o que leva a uma degradação das suas ofertas de mercado.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Agora imaginem estendermos esta análise para a economia nacional. O próprio Estado, na sua forma de contratação pública valoriza, na larga maioria dos seus procedimentos de aquisição, o preço mais baixo. Não há outros fatores na decisão e, é claro, que o preço mais baixo não possibilita soluções, produtos ou serviços robustos que possam responder totalmente às suas necessidades. Nestes procedimentos não há nenhum tipo de triagem, como validar a solidez das empresas, experiência ou verdadeira capacidade de entregar em tempo útil o produto ou serviço em causa. Por isso, como diz o povo, se compra gato por lebre.

Eu percebo que seja mais fácil lançar um procedimento de aquisição pública baseado no preço mais baixo: são mais ágeis, mais rápidos e evitam muitas das contestações concorrentes aos procedimentos em causa, mas é preciso ponderação nos montantes dos valores em causa, na recorrência e no que está a ser solicitado (bens ou serviços).

Dá muito mais trabalho analisar propostas de concursos internacionais ou consultas prévias com prévia qualificação ou com as ponderações de avaliação de classificação das propostas, baseadas na proposta economicamente mais vantajosa. A essência nisto tudo é que ainda há uma cultura transversal, desde o setor Público ao setor privado, em pedir desconto.

É claro que quando estou a comprar produtos e serviços para o Grupo de empresas que dirijo, preocupo-me muito mais com a garantia de que a solução que nós estamos a comprar vai corresponder verdadeiramente, de uma forma robusta, às nossas necessidades e, aí não peço desconto, não quero promover a cultura do desconto.

Tento que todos os investimentos que fazemos contribuam para um retorno maior do que o valor que nos custaram e, aqui, somos muito exigentes, com qualidade, prazos de entrega, garantia, etc.

Lembro-me perfeitamente de há 30 anos, um produto que eu vendia a um euro, vendo hoje a um quarto do preço. E depois perguntam-me, “Mas se agora vale tão pouco, e transformou-se em uma commodity, como é que consegues?” A resposta não é fácil, mas é mais ou menos intuitiva.

A verdade é que, enquanto tivemos uma posição de quase monopólio sem concorrência no mercado, praticámos os preços que queríamos. A nossa inteligência foi guardar esse dinheiro da empresa para investir continuamente no seu desenvolvimento. Portanto, foi isso que permitiu estes preços de entrada no mercado novo e que nos permitiram investir e inovar. E que ao fim de 30 anos nos permitem estar onde estamos hoje: a liderar o mercado nesta área, com um capital humano e financeiro robusto que nos faz olhar para o futuro com alguma confiança e entusiasmo.

Outra vantagem desta nossa estratégia é que, com a dimensão e com a diversificação do portefólio de produtos e serviços, foi mais fácil obter as vantagens que precisamos para continuar o nosso crescimento. Isto porque há uma orientação, uma linha estratégica e sabemos perfeitamente qual é o nosso futuro e isto ajuda a que possamos direcionar os nossos esforços financeiros, humanos e técnicos para esse caminho.

O que nos dá um gozo tremendo é olhar para as decisões de há cinco e dez anos, onde não teríamos o arrojo de as tomar, e que hoje, pelo músculo e pela robustez atuais, olhamos para decisões equivalentes e perguntamos podemos investir amanhã?

E é isso que interessa em gestão: tomar decisões, em tempo útil, sem medo e, depois de escolher o caminho, investir, investir e investir. Acreditem, depois, os resultados, na grande maioria das vezes, aparecem.

Finalmente, deixo uma mensagem a todos aqueles que, em momentos de insegurança como os que vivemos atualmente, possam ter receio: não sejam subjugados pela economia do desconto, juntem-se sim à economia do investimento e da inovação. Exijam isso dos vossos clientes e pratiquem isso com os vossos fornecedores ou parceiros de negócio. Só assim mudaremos mentalidades, diria eu, ainda nesta geração.