No tempo da minha avó a sua função era cuidar da casa, do campo e da educação da filha e crianças da família. A minha mãe teve outro rumo, e só após o casamento teve possibilidades financeiras de frequentar um curso superior. Eu fui uma privilegiada, apesar da ausência da mãe que por virtude da profissão era “colocada” longe de casa, fui criada pela minha avó, e pela natureza de um campo feliz e ávido de coisas para descobrir.

A minha filha não tem a mesma sorte, apesar de viver no campo a carga horária da escola ocupa todo o dia, e a avó ainda trabalha pelo que ninguém tem a disponibilidade necessária para as suas vivências de uma criança livre e exploradora. Será o vil programa escolar, que tem de ser cumprido, a maior das prioridades? Será a carga horária a adequada? Se a Inteligência artificial vai realizar muitas das nossas tarefas, não deveríamos investir noutro tipo de valências? Não serão as componentes sociais que nos farão distinguir da tecnologia e acrescentar valor no futuro das organizações? Que atenção damos a estas competências nas escolas e nos lares de Portugal? Porque se ensina empatia nas escolas da Dinamarca há mais de 20 anos? Porque é que a Dinamarca é um dos países mais felizes do mundo?

Como serão as próximas gerações de mulheres portuguesas? E as próximas gerações de homens portugueses? De acordo com o estado da arte, e em concordância com minha experiência, somos aquilo que trazemos nos nossos genes (genética), mas sobretudo o contexto onde nos encontramos (epigenética): a forma como somos educados, as regras, os sentimentos, os valores que nos incutem… E será esse contexto a levar-nos ao abismo ou ao sucesso. Atualmente, segundo o último relatório global da Gallup, na Europa apenas 13% dos colaboradores estão comprometidos com o seu trabalho, e avaliando a sua vida de forma geral, mais de metade das pessoas empregadas estão com dificuldades em geri-la ou estão mesmo em sofrimento. De facto, e comparando a vida da minha avó e a minha, tenho a sensação que os meus níveis de cortisol (hormona do stress) estabilizaram nos píncaros. Desde que abro os olhos que estou/estamos em contra-relógio para o trabalho, para ir buscar os miúdos, para os levar à piscina, para lhes dar banho, para fazer o jantar, para engolirem o jantar e rapidamente irem descansar! (Ufa! Até escrever isto cansou!) Quando era criança lembro-me de a minha avó andar de pijama e estava tudo bem.

Penso que este será o desafio das gerações futuras, como equilibrar todo este circuito que parece nunca parar? Como tomarmos as rédeas da nossa vida sem que a sociedade nos imponha os seus estereótipos, vieses e julgamentos?

Antes de mais, cada um de nós deve encontrar um propósito na sua vida e no seu trabalho, uma vez que metade do nosso tempo, acordados, é passado a trabalhar: ser feliz no local de trabalho deve ser algo disseminado e aclamado por todos. Um dos principais fatores da longevidade e, longevidade com saúde, é o denominado “ikigai”, ou seja, termos um propósito, sabermos exatamente o que estamos a fazer e para o que contribuímos como membros da sociedade! Acho muitas vezes, que uma vez mais falhamos no planeamento, naquilo que queremos, como queremos e como vamos chegar lá, e para isso é preciso parar e utilizar o tempo! Aquele recurso que é o mais justo e democrático, aquele que é igual para todos, e aquele que usamos como bem entendemos! Citando Tolentino de Mendonça: “Os nossos relógios nunca dormem. Quantas vezes o tempo é a nossa desculpa para desinvestir da vida, para perpetuar o desencontro que mantemos com ela? Como não temos diante de nós os séculos, renunciamos à audácia de viver plenamente o breve instante”. E consumimos desenfreadamente um recurso único, do qual poderíamos ter pleno controlo!

Observadorassocia-se à comunidade PortugueseWomeninTech para dar voz às mulheres que compõem o ecossistema tecnológico português. O artigo representa a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da comunidade.

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