A vice-presidente do Tribunal Constitucional (TC), Maria Lúcia Amaral, critica os seus pares por considerar que o tribunal não pode fazer “juízos morais” sobre o que é “uma reforma justa” de pensões pois isso compete ao poder político e não ao jurisdicional.

Na declaração de voto no acórdão sobre a Contribuição de Sustentabilidade, em que votou contra a sua inconstitucionalidade, Maria Lúcia Amaral, que foi indicada para o TC pelo PSD, escreve: “Não é para mim aceitável que um juízo eminentemente moral sobre a justiça de uma tal reforma caiba a uma maioria formada no seio de uma instituição de índole jurisdicional. Deste modo, segundo creio, não se melhora a qualidade da deliberação pública. Pelo contrário, degrada-se essa qualidade, uma vez que se nega aos cidadãos o direito a ter uma palavra a dizer sobre tão delicada matéria”.

O juiz Carlos Cadilha deu a cara pelo acórdão sobre a Contribuição de Sustentabilidade e foi ele que o terminou, embora no site do Tribunal Constitucional apareça, entre parênteses, por baixo do seu nome o de Maria Lúcia Amaral, que terá começado por pegar neste assunto, mas que acabou por não ser a relatora. Às vezes, isso acontece quando o juiz inicial que faz o primeiro memorando não está sintonizado com o pensamento da maioria dos juízes.

No acórdão sobre o Orçamento do Estado para 2014, esta juíza já tinha sido dura e acusou mesmo o TC de não ter “bússola” orientadora jurisprudencial. É a juíza que mais vezes votou pela constitucionalidade das medidas do Governo apreciadas ao longo dos últimos três anos.

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“Em primeiro lugar, não pode o Tribunal impor ao legislador a sua própria visão do que seja uma reformado sistema público de pensões”, escreve, acrescentando que “o Tribunal, pela sua própria condição”, não está “preparado” para o fazer: “Não tem para tanto vocação funcional e não está para tanto epistemicamente apetrechado”.

“Mas além disso, e fundamentalmente, não pode o Tribunal impor ao legislador a sua própria visão do que seja uma reforma justa do sistema público de pensões”, frisa.

Na declaração de voto, a juíza, contudo, faz algumas críticas ao diploma do Governo sobre a Contribuição de Sustentabilidade, mas realçando que o faz enquanto “atitude de censura cidadã” e não “jurídico-constitucional”. Critica o período “curtíssimo” em que o Governo aprovou a nova lei e os critérios “genéricos” sobre a atualização das pensões, em que o TC foi unânime e que, por isso, recusou a analisar essa norma.

Outra declaração de voto muito dura para os seus próprios pares é a de Fátima Mata-Mouros. Esta juíza indicada pelo CDS, que no passado alinhou muitas vezes pela inconstitucionalidade de medidas do Governo, mostra-se claramente crítica do pensamento maioritário do TC na questão das pensões.

Na declaração de voto, condena a valoração que o TC faz na distinção das medidas transitórias, como a CES, e permanentes, a Contribuição de Sustentabilidade, quando esta última representa um corte anual menor nos rendimentos dos pensionistas.

“No imediato, um efeito indesejado desta jurisprudência poderá ser levar o legislador a optar por medidas transitórias, por estarem sujeitas a um grau de escrutínio menor, que até podem ser mais gravosas para os cidadãos. Até porque a repetição do transitório pode constituir uma via para a permanência”, refere.

A juíza alerta ainda, tal como Amaral, para que “uma qualquer medida de alteração do sistema público de pensões pode estar mal construída, ter deficiências técnicas ou não merecer a concordância subjetiva de alguém, mas isso não significa que seja inconstitucional”.

Por outro lado, defende que o princípio da confiança relativamente às pensões não deve ser aplicado apenas aos atuais pensionistas, mas também em relação àqueles que já descontam para a segurança social e que, no futuro, serão pensionistas. Mais: “A superveniência de profundas alterações demográficas e económicas pode conduzir à injustiça de tratamento geracional”.

No acórdão sobre a Contribuição de Sustentabilidade, houve cinco declarações de voto. Lino Ribeiro, cooptado pelos juízes, mostrou-se preocupado com a “desigualdade” que a lei veio criar entre os pensionistas com reformas posteriores a 2008 e os outros. Maria José Rangel Mesquita, indicada pelo PSD, considera que se está perante uma medida do lado da receita, que pelo seu caráter duradouro provoca uma “redução definitiva” nas pensões a pagamento. Por outro lado, escreve que “não se vislumbra, nas normas que instituem a medida ora apreciada, aquela vocação ‘estrutural’ ou elemento de reforma estrutural – e, assim, orientada para o invocado objetivo de sustentabilidade do sistema público de pensões”.

Por fim, Catarina Sarmento e Castro, indicada pelo PS, considerou que o Governo “não cumpriu cabalmente o seu dever de apresentar justificação suficientemente ponderosa para lesar, de modo definitivo – e iníquo – pensões já a pagamento. Ónus que é particularmente intenso, e sujeito a controlo judicial apertado, por estar em causa um direito com proteção constitucional”.

“Não esqueçamos que, como venho repetidamente sublinhando, os destinatários desta medida constituem um segmento da população que, na sua maioria, se encontra em especial situação de vulnerabilidade e dependência (por velhice, invalidez, etc). Por razões atinentes à idade e à saúde, encontrando-se fora do mercado de trabalho, estes grupos mostram-se incapazes de reorientar a sua vida em caso de alteração das circunstâncias. Em geral, é uma faixa da população que depende desta prestação social para garantir a sua independência económica e a sua autonomia pessoal”, afirmou, repetindo aquela que tem sido a sua argumentação já usada no voto contra a convergência das pensões do setor público e do setor privado.