“Quando a crise já estava ao rubro, já depois do aumento de capital, houve clientes que foram convencidos, de forma fraudulenta e enganosa, a transformar depósitos em ações, com base nas sucessivas declarações do Presidente da República e do governador do Banco de Portugal“, afirmou o advogado Miguel Reis, que vai participar no consórcio que está a ser criado para defender os pequenos acionistas do BES que foram lesados devido à criação do Novo Banco, em entrevista ao jornal i, nesta segunda-feira.
O advogado defende uma investigação policial à atuação de Carlos Costa, do Presidente da República e da ministra das Finanças por terem garantido até ao fim que o banco dirigido por Ricardo Salgado era sólido, já depois do último aumento de capital. Cada processo custará cinquenta euros, acrescidos de um cêntimo por acção e o projecto passa por pedir a intervenção do Tribunal de Justiça Europeu para se saber se as medidas de confisco adoptadas pelo Banco de Portugal estão de acordo com o direito europeu, explica o jornal.
Miguel Reis considera a atuação do Banco de Portugal “muito estranha”, devido ao longo de meses ter garantido que o BES “era uma entidade segura, utilizando nuns momentos a expressão liquidez e noutros, solidez. E fê-lo com tanta veemência que foi reproduzido pelo próprio Presidente da República em Seul.” Para isto ter-se sucedido, o advogado levanta duas hipóteses: “ou não sabia e temos de chegar à conclusão que o sistema financeiro português não está regulado, que é uma selva e que o regulador é um irresponsável ao ponto de levar o Presidente da República a dizer expressamente que o banco era sólido e de confiança porque isso lhe foi garantido pelo governador, ou se sabia e tinha indícios de que haviam irregularidades, não podia ter mentido nem ao mundo nem ao chefe de Estado. E se mentiu tem de ser responsabilizado por isso.”
Questionado se o Banco de Portugal devia ter agido mais cedo, Miguel Reis afirmou que se “tivessem sido tomadas as previdências adequadas, seria impossível chegar-se ao ponto a que se chegou”, lembrando que o “grande problema é a falta de transparência”. “Em qualquer democracia avançada, quem tiver conhecimento de um crime ou de um fato passível de ser punido com uma contraordenação deve promover imediatamente a abertura de um processo de investigação”, afirmou.
Tecendo críticas aos auditores, Miguel Reis recordou que na semana passada “foi divulgada em Nova Iorque a condenação de uma dessas entidades envolvida neste processo, a PwC, numa multa de 25 milhões de dólares por ter facilitado o branqueamento de capitais de nove mil milhões de dólares em benefício de Estados terroristas.” Isto aconteceu na mesma semana em que foi anunciado que o Banco de Portugal tinha escolhido o “BNP Paribas para ajudar no negócio da venda do Novo Banco”, quando este banco francês também aparece nos meios de comunicação internacionais ligado ao financiamento de terroristas.
Relativamente à separação relâmpago em 48 horas do BES no Novo Banco e no Bad Bank, diz que esse processo envolve “várias ficções e uma enorme mentira. Mais do que uma mentira, é provavelmente uma enorme vigarice. É absolutamente impossível fazer em 24 horas uma operação de cisão de um banco. Teria sido uma operação mais simples se se tratasse apenas da transmissão de ativos, passivos e elementos extra patrimoniais de um banco para o outro.” Desde 1831 que Portugal tem leis comerciais que estabelecem regras de contabilização dos movimentos entre comerciantes.
Qual teria sido a melhor solução? “Podia-se ter constituído um banco de transição e devia-se ter partido do zero e fazer-se o lançamento de todos os bens para ele transferidos. E ficaria tudo registado. Isso tem de figurar na escrita dos dois bancos sob pena de tudo se transformar numa gigantesca fraude. Aqui, foi-se ainda mais longe no desrespeito pela escrita mercantil, porque a transferência significaria retirar um bem de um lado e colocá-lo no outro. Qual foi o documento de suporte dessas transferências? Como é que foram contabilizadas?” Existem provas de tal? “Então mostrem a escrita. É impossível fazer uma contabilização desta natureza em 24 horas”, acusa.
Para o advogado, a operação do dia 3 de Agosto foi “prematura e em termos operacionais não havia condições para a fazer da forma como foi feita. Precisava primeiro de se maturar o sistema de resolução de forma a que pudesse ser um instrumento claro, inequívoco e limpo que garantisse o interesse de todas as partes envolvidas.”
Ao falar dos pequenos acionistas, o advogado afirmou que “um acionista que tenha menos de 1% do capital, no caso do BES, quem detenha menos de 600 mil ações, não tem sequer o direito de pedir à administração e à entidade fiscalizadora que lhe preste informação para além daquela que é pública. Mas tem inequivocamente o direito de exigir que não o roubem.”
Miguel Reis anunciou também, ainda na mesma entrevista ao jornal i, que irá fazer chegar “quase de certeza” o processo ao Tribunal de Justiça Europeu. Para tal, está a ser estabelecido um consórcio que envolve várias sociedades de advogados, contou. Como o que vão fazer? “Impugnar a medida de resolução nos tribunais administrativos.”