O coletivo de juízes que julgou o processo Face Oculta não deu credibilidade ao testemunho do ex-ministro Mário Lino que negou, em tribunal, ter-se referido às empresas do sucateiro Manuel Godinho como “amigas do PS”.

O acórdão, a que a agência Lusa teve hoje acesso, refere que o depoimento de Mário Lino revelou-se “pouco coerente e consistente, mesmo muito fragilizado”, contrariando o que foi relatado pela ex-secretária de Estado dos Transportes Ana Paula Vitorino.

Durante o julgamento, Ana Paula Vitorino disse ter sido abordada pelo então ministro das Obras Públicas para resolver o conflito existente entre a Refer e o grupo do principal arguido do processo Manuel Godinho, alegando que as empresas do sucateiro eram amigas do PS, o que foi posteriormente desmentido por Mário Lino.

O coletivo presidido pelo juiz Raul Cordeiro reconhece, contudo, que “dificilmente” Mário Lino admitiria, no seu depoimento, que tinha dito a Ana Paula Vitorino que as empresas de Manuel Godinho eram “amigas do PS” e que estavam a ser prejudicadas por Luís Pardal, devendo ela intimar este a alterar o comportamento, enquanto presidente da Refer.

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O tribunal concluiu ainda que a expressão “empresa amiga do PS” utilizada por Mário Lino perante Ana Paula Vitorino, referindo-se à O2, “não pode ter outro significado que não seja o de a mesma, representada por Manuel Godinho, estar disposta a contribuir com donativos para o PS”.

“É verdade que não constam dos autos quaisquer documentos que comprovem tais donativos e que a testemunha Ana Paula Vitorino, que então pertencia ao Secretariado Nacional desse Partido, disse desconhecer essa matéria, mas aquela afirmação de Mário Lino revela-se inequívoca”, lê-se no acórdão.

O tribunal deu como provado que Mário Lino deu ordens a Luís Pardal para reunir com Manuel Godinho, no sentido de solucionar o diferendo das suas empresas com a Refer, com “determinante intervenção” dos arguidos Armando Vara e Lopes Barreira.

Mário Lino chegou a ser investigado por indícios de falsas declarações, mas o processo foi arquivado pelo juiz de instrução criminal, alegando que apesar de alguma aparente contradição entre os depoimentos prestados, as diferenças “não foram categóricas”.

Na passada sexta-feira, o Tribunal de Aveiro condenou a penas de prisão todos os arguidos envolvidos no processo “Face Oculta”, onze deles a penas de prisão efetiva, incluindo Manuel Godinho, o ex-ministro e ex-administrador do BCP Armando Vara e o ex-presidente da REN (Redes Energéticas Nacionais), José Penedos.

O processo “Face Oculta” começou a ser julgado há quase três anos e está relacionado com uma rede de corrupção que teria como objetivo o favorecimento do grupo empresarial do sucateiro Manuel Godinho, nos negócios com empresas do setor empresarial do Estado e empresas privadas.

O Ministério Público acusou 36 arguidos, incluindo duas empresas, de centenas de crimes de burla, branqueamento de capitais, corrupção e tráfico de influências.