“Quase nada neste relatório é novo, a implementação é o mais importante.”
A frase de Nigel Crisp saiu quando o pequeno-almoço com alguns jornalistas ia sensivelmente a meio, uma hora e meia de conversa decorrida, depois de ter insistido na importância de se trabalhar a montante, na formação das pessoas para os bons hábitos, “está na altura de melhorarmos a Saúde e não apenas os Serviços de Saúde”. E de ter defendido que a aposta futura não deve passar pelo aumento de impostos, que o papel dos enfermeiros deve ser reforçado ou que os hospitais precisam de ser mais transparentes, partilhando abertamente estatísticas.
Nigel Crisp, o homem responsável pela modernização do sistema público de saúde no Reino Unido, liderou a comissão que realizou o relatório “Um Futuro para a Saúde – todos temos um papel a desempenhar”, da Fundação Calouste Gulbenkian. Foram 18 meses de trabalho, a ouvir várias pessoas dos vários setores da Saúde e da sociedade civil, feito por peritos portugueses e estrangeiros.
Antes de mais, das recomendações, o diagnóstico, em traços largos:
- Portugal tem uma boa base, o Serviço Nacional de Saúde (SNS)
- Há “muito apoio para o manter” (ao SNS), nas palavras de Crisp
- Os profissionais têm experiência e boa formação
- O país tem a dimensão ideal (cerca de 10 milhões de habitantes) para implementar uma mudança de hábitos
Mas:
- Tem uma população envelhecida, com muitos problemas de saúde, e com uma qualidade de vida muito curta depois dos 65 anos,
- Tem uma taxa de diabetes muito alta (a mais alta da Europa, 14%)
- Tem custos muito elevados
- Os hospitais têm práticas muito distintas
- Tem um problema com as infeções hospitalares
Posto isto, em linhas muito gerais, o plano, traçado a 25 anos, para a Saúde em Portugal assenta na criação de “um Pacto para a Saúde que envolva toda a gente”, clínicos e governos, público e privado, mas também, e sobretudo, a sociedade.
Algumas das recomendações do relatório passam por:
A sustentabilidade financeira do SNS, lê-se no relatório, está diretamente ligada à redução da incidência das doenças crónicas, que absorve a maior fatia de custos, daí a frase de Nigel Crisp: “A saúde faz-se em casa, os hospitais são apenas para arranjos“.
A redução de custos é imperiosa, por isso defendem os especialistas que o aumento da transparência dos hospitais, através da divulgação de dados estatísticos, o que reforçará a responsabilização, é um caminho que deve ser seguido. Mas há outras medidas, como por exemplo a uniformização de práticas nos hospitais que, considera Nigel Crisp, “em Portugal são muito distintas.”
Na conclusão é preciso voltar ao princípio. Ou seja, o grupo que assina o relatório assume que muito do que é proposto não é propriamente novo. O sublinhado vai para a necessidade de efetivamente se implementarem as medidas, o que não acontece hoje. E para dar o pontapé de saída, e procurar mostrar que palavras não bastam, a Fundação Calouste Gulbenkian pretende avançar com três iniciativas, “Os Desafios Gulbenkian”.
Assumindo que as despesas com infeções hospitalares e com a diabetes pesam no SNS, e podem ser reduzidas a curto/médio prazo, e que o investimento na formação dos mais novos será o melhor caminho a longo-termo, a Fundação propõe-se a colaborar com diversas instituições, governo e sociedade, para alcançar uma poupança de 140 milhões de euros nas infeções, 45 milhões nas diabetes por um período de cinco anos e de 80 milhões ao ano nas crianças dos zero aos cinco anos, ao longo da vida após esse período.
O relatório “Um Futuro para a Saúde – todos temos um papel a desempenhar” foi apresentado esta segunda-feira ao Presidente da República e ao ministro da Saúde. Esta terça será a vez da Assembleia da República e do público em geral, na Fundação Calouste Gulbenkian.