A obra intitula-se “Gago Coutinho. O Último grande aventureiro português”, é publicada pela Eranos, tendo o autor consultado “imensa documentação existente em diversos arquivos de instituições às quais Gago Coutinho esteve ligado”, salienta no prefácio o diretor do Museu de Marinha, António Costa Canas.

O autor refere, aliás, na introdução, que uma das “grandes dificuldades” com se deparou foi a “documentação não catalogada ou inventariada da Sociedade de Geografia de Lisboa, do Grupo dos amigos do Museu de Marinha, do Museu do Ar, do Arquivo Histórico da Força Aérea, [e] das coleções particulares Sarmento Rodrigues e Moura Braz”. “Havia que dar a mínima das referências a esta documentação”, apela o autor.

Referindo-se ao cientista e aventureiro nascido em Lisboa, em 1869, Costa Pinto atesta: “O facto de, durante 50 anos, a figura de Gago Coutinho ter sido analisada, sobretudo pelo seu contributo para a travessia aérea de Lisboa ao Rio de Janeiro, e não pela sua importância enquanto homem da ciência, é uma falha na nossa historiografia, muito aproveitada pelos regimes políticos vigentes até aos dias de hoje”. “Gago Coutinho contribuiu de forma irrepreensível para a cultura científica dos séculos XIX e XX, dando-lhe projeção internacional, não se limitando ao cinzentismo de um país amarrado a preconceitos ideológicos”, salienta o investigador. Segundo o autor, Gago Coutinho tinha desejo de conhecer e descobrir, “ter uma ponta de aventureiro”, como ele próprio escreveu.

Quanto à travessia aérea, realizada em 1922, o autor refere que Gago Coutinho desvaloriza o feito, tendo afirmado que não foi mais que um episódio da sua vida, e realçou que tanto ele como Sacadura Cabral, o outro protagonista, eram geógrafos. “Não esqueçam que eu e Sacadura Cabral éramos geógrafos”, escreveu Gago Coutinho, citado pelo autor da obra. “Estávamos habituados a tratar com astros e ter uma vida arriscada. Aquilo que fizemos não foi mais do que a continuação da nossa vida de geógrafo”.

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Costa Pinto realça, entre outras facetas menos conhecidas do almirante, “os trabalhos geodésicos, hidrográficos, topográficos e cartográficos” executados em Timor e nas ex-colónias portuguesas em África, tendo definido milhares de quilómetros de linhas de fronteira, nomeadamente em Moçambique, que “foram reconhecidos além-fronteiras”.

Gago Coutinho, que morreu em 1959, no seu apartamento na rua da Esperança, em Lisboa, “foi um grande expoente da lusofonia”, escreve Costa Pinto, referindo que de “forma incansável realizou conferências e palestras em academias e instituições altamente prestigiadas no estrangeiro, mas também em círculos de emigrantes espalhados pelo mundo fora, de forma abnegada e desinteressada do ponto de vista económico”. O investigador recorre bastas vezes às declarações escritas deixadas pelo almirante, pela “necessidade em dar voz ao biografado”.

Politicamente, Carlos Viegas Gago Coutinho definiu-se como monárquico, “mas, mais tarde, abraçou os ideais republicanos, que acabaria por deixar de corresponder às suas expectativas, pela instabilidade política entretanto verificada”. Segundo o investigador, que o cita, “afirmava-se como um ‘nacionalista liberal’ que nunca se tinha filiado ‘em partidos para ser mais livre de pensar, contra ou a favor dos governantes’”. O almirante confessava-se “mais democrático que autoritário”, nas suas próprias palavras.

O comandante Costa Canas, responsável pelo Museu de Marinha, sintetiza no prefácio que esta obra “é sobre o ‘outro’ Gago Coutinho, e não só o herói de aviação”; “um homem que não se assusta com a dureza da vida do mato, que tem uma postura atlética, mas que, simultaneamente, é capaz de levar a cabo cálculos extremamente complexos”.