Jake Bilardi era bom aluno, nascera e crescera numa família da classe média que vivia desafogadamente, e sempre vivera na cidade australiana de Melbourne. Nada nas suas origens familiares e culturais fazia prever o que sucedeu depois. Aos 13 anos deixou de ser ateu e converteu-se ao Islão. E aos 18 comprou um bilhete só de ida para Istambul, na Turquia, e daí seguiu até chegar à Síria, onde se juntou aos radicais do Estado Islâmico. Ontem soube-se que morreu numa missão suicida, conduzindo uma carrinha carregada de explosivos contra um alvo governamental na cidade iraquiana de Ramadi.

Bilardi era o “jihadista branco”, com cara de adolescente imberbe, que, em dezembro, aparecera pela primeira vez numa imagem de propaganda do Estado Islâmico, segurando uma arma. Não tinha ainda a barba crescida, como a generalidade dos radicais daquele grupo extremista, apenas um cabelo longo em tudo idêntico ao de tantos e tantos adolescentes que andam pelos centros comerciais da Europa ou frequentam os nossos liceus e universidades.

Começou por pensar-se que Jake Bilardi, que a si próprio se chamava agora Abdullah Al Australia, era de origem britânica, até que foi identificado como australiano. A missão suicida em que participou – e de que o Estado Islâmico divulgou uma imagem, com ele ao volante da carrinha com que se faria explodir alguns minutos depois – fez parte de uma operação terrorista mais vasta: sensivelmente ao mesmo tempo, doze outros atentados semelhantes foram desencadeados pelos radicais contra instalações governamentais em Ramadi. A explosão provocada por Abdullah Al Australia provocou 10 mortos e 30 feridos.

A verdadeira origem de Bilardi só fora estabelecida domingo passado, quando alguns dos seus antigos colegas o identificaram na imagem em que surge entre dois outros jihadistas de aparente origem árabe. Essa identificação que depois seria confirmada por frequentadores das duas mesquitas de Melbourne onde costumava ir rezar, mas onde não se dava com ninguém.

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Dois meses depois de desaparecer, Jake Bilardi contactou a família para a informar de que estava no Iraque, a receber treino para participar numa missão suicida. Agora que a concretizou foi também divulgado o texto que escreveu a explicar a sua vida e as suas escolhas. Uma espécie de testamento tétrico que é, ao mesmo tempo, um horrível testemunho, na primeira pessoa, de um processo de radicalização levado até ao mais extremo dos limites.

O Observador transcreve-o na íntegra, apesar da sua brutalidade, pois é um documento que merece ser conhecido:

“Com o meu martírio a aproximar-se, quero contar-vos a história de como de um estudante ateu da zona rica de Melbourne me transformei num soldado do Califado, pronto para sacrificar a minha vida pelo Islão em Ramadi, no Iraque. Muita gente na Austrália pensa, provavelmente, que já conhecem a minha história. Mas a verdade é que isto é algo que, até agora, permaneceu entre mim e Alá.

A minha vida nos subúrbios de classe média de Melbourne foi, apesar dos altos e baixos normais, muito confortável. Dei por mim a ter ótimos resultados na escola, tal como os meus irmãos, e sonhei tornar-me jornalista especializado em política. Sempre sonhei que um dia iria viajar até ao Iraque, Líbia e Afeganistão para descrever a situação nesses territórios.

Com apenas cinco anos de idade na altura dos ataques aos EUA, a 11 de setembro de 2001, o meu conhecimento da operação era, basicamente, nulo.

Foi graças à minha investigação às invasões e ocupações tanto no Iraque como no Afeganistão que nasceu o meu ódio aos EUA e aos seus aliados, incluindo a Austrália. Foi, também, aí que começou o meu respeito pelo jihadismo, que viria a transformar-se num amor pelo Islão e que me traria até ao Estado Islâmico, mas já lá vamos…

Julgo que sempre estive destinado a encontrar-me aqui, como soldado no exército do Shaykh Abu Musab al-Zarqawi (que Alá tenha misericórdia), tendo em conta o enorme respeito que tinha por ele mesmo antes de entrar no Islão. Que Alá o coloque entre os melhores mártires (shuhadah) e me deixe sentar a seu lado na cúpula do Jannah (paraíso)…

Temendo possíveis tentativas por parte das autoridades australianas, cada vez mais intrusivas, para impedir a minha partida (para o Médio Oriente) comecei a desenhar um Plano B.

Este plano envolvia lançar uma série de bombas por toda a cidade de Melbourne, tendo na mira consulados estrangeiros e alvos políticos e militares. E, ainda, ataques por granada e arma branca em centros comerciais e cafés, culminando com a minha detonação por cinto de explosivos no meio dos kuffar (não crentes). À medida que comecei a reunir os ingredientes para fazer os explosivos e me preparei para começar a fazer os dispositivos, apercebi-me que as autoridades não faziam qualquer ideia acerca dos meus planos. Mas se alguma coisa poderia atrair a sua atenção seria a compra de químicos e outros materiais para fazer bombas, portanto cessei a planificação do meu Plano B e permaneci inativo enquanto tudo era preparado e eu conseguiria sair do país sem ser detetado.

Não querendo revelar qualquer informação sensível acerca de como entrei no Estado Islâmico, saltarei na história para o momento em que entrei na cidade de Jarablus, na província de Aleppo. Senti uma alegria que nunca tinha sentido na primeira vez que os meus olhos avistaram a bandeira da Unidade por cima da cidade. Tudo parecia surreal, estava finalmente no Califado. Nessa altura, não resisti a recordar o momento em que, alguns anos antes, eu disse a mim próprio que chegaria um dia em que iria lutar para derrubar o sistema democrático. Esse dia tinha chegado, ainda que não da forma que eu esperava.

Depois de uma difícil e longa viagem em Jarablus, depositei em Alá a minha confiança e alistei-me numa operação de martírio. Fui imediatamente enviado para Baiji, na província de Salaheddine, no Iraque. Esperei um mês em Baiji antes de chegar a hora da minha operação fracassada. Depois de verificar os erros cometidos, dediquei-me a combater na cidade antes de mais uma vez me alistar numa operação de martírio, uma decisão que me levaria até à grande mas modesta cidade de Ramadi, a capital da província de Anbar. E é aí que estou hoje, à espera da minha vez para me apresentar perante Alá (azza wa’jal) e sonhar com sentar-me entre os melhores da Sua criação no Seu Jannah, cujo tamanho é maior do que a dimensão dos céus e da Terra.

Penso que sempre estive destinado a encontrar-me aqui, como um soldado do exército do Shaykh Abu Musab al-Zarqawi (que Alá tenha misericórdia), tendo em conta o enorme respeito que tinha por ele mesmo antes de entrar no Islão. Que Alá o coloque entre os melhores mártires (shuhadah) e me deixe sentar a seu lado na cúpula do Jannah (paraíso)…”