O relógio já estava perto das 12 horas, mas o tempo ainda era de pequeno-almoço. Martinho Rosa e Gonçalo Vasconcelos estavam a tomá-lo no quinto andar de um prédio em Thamel, o bairro de Katmandu mais amigo de quem é estrangeiro e turista na capital do Nepal. “É a zona da noite, tem vários monumentos, e os backpackers [mochileiros] costumam ficar por aqui”, explica um deles. Estariam “umas 20 pessoas, incluindo funcionários”, por ali, no restaurante do hostel, quando, de repente, “veio um abanão” que “terá durado uns 20 segundos”. Era um sismo que os abanava, um dos fortes, de magnitude 7.9 na escala de Richter, a eles e a várias regiões do Nepal e da Índia.
Eram precisamente 11h56 (7h11 em Portugal Continental) quando ambos entraram “em pânico”, à imagem do que tinham à volta. Não sabiam o que fazer, o que pensar ou para onde ir durante o tempo em que o terramoto os quis agitar. “Não parávamos de andar de um lado para o outro. Havia pessoas a rezarem e muitas estavam aos gritos. Em 20 segundos terei mudado de sítio três vezes, o que mostra que não estávamos preparados”, conta Martinho, de 26 anos, ao Observador, via Facebook, tão desabituado a ver e a sentir tudo tremer quanto os próprios nepaleses, que “estavam em pânico total”, acrescenta Gonçalo, de 27. Quando o sismo parou “ficou tudo calado e à espera”, quase temendo que alguma reação despertasse de novo a terra.
Só ficariam no quinto andar “mais cinco minutos” antes de descerem até à porta do prédio, pelas escadas. O objetivo era saírem dali, livrarem-se de qualquer estrutura de betão e irem para a rua, mas não foi fácil. “No rés-do-chão estava um cheiro a gás muito intenso, por isso voltámos para o restaurante”, diz, ao falar da cautela que os aconselhou a voltarem para o restaurante e permanecerem “mais uns 20 minutos” no hostel, até “o cheiro acalmar”. Por lá ficarem, à toa, preocupados, sem que alguém dissesse o que fosse aos dois amigos que, no início de março, partiram de Lisboa para uma viagem de largos meses com a mochila às costas e missão de dar uma volta ao mundo.
Quando saíram do hostel viram tijolos, centenas deles, a taparem o alcatrão da rua que ladeia o prédio — os mesmos que, minutos antes, erguiam um muro. Aqui ainda estavam “completamente à nora”, enquanto iam passando por “casas com rachas pelo meio” e pessoas num reboliço, de um lado para o outro. Até que, “passados uns 10 minutos”, prossegue Martinho, “veio uma réplica bastante forte” e “começou tudo aos berros e a correr”. As ruas ficavam mais caóticas do que já estavam. Os dois portugueses foram andando, percorrendo ruas e vendo “ambulâncias a passarem de um lado para o outro” até chegarem “a uma zona cheia de militares, que estava fechada aos peões”.
Eles, os restantes estrangeiros e os nepaleses “não sabiam o que fazer”. Ninguém sabia, garantem, à exceção de “um chileno” que pernoitava no mesmo hostel de Martinho e Gonçalo e sabia “exatamente onde se proteger” — é natural de Santiago, capital do país sul-americano no qual já passara por vários sismos. Durante as voltas que foram dando por Katmandu viram “uns dez prédios no chão”. Dizem que tanto o sistema de eletricidade, como o da água, continuam a funcionar, e já há “lojas abertas a venderem bolachas”.
Até pouco antes das 18 horas portugueses ninguém falara com eles — fosse a polícia, os bombeiros, funcionários do hostel ou qualquer outra entidade ou autoridade nepalesa. Disseram-lhes que o aeroporto de Tribhuvan, a cerca de oito quilómetros de Katmandu, “está caótico”, e que “a maioria das pessoas” vai passar esta noite, a de sábado para domingo, “a dormir em parques” públicos. “Está tudo um caos, mas percebe-se que é mais por causa da desorientação das pessoas”, indica Martinho, talvez ainda sem saber que, só na capital do Nepal, já foram confirmadas mais de 640 mortes — a contagem já superou as 1.100 vítimas mortais.
Tanto um como outro sentiram, como nunca, que “não sabiam o que fazer”. Martinho e Gonçalo, sem família, amigos, conhecidos, bens ou pertences por ali, viram que “é precisa muito mais prevenção”, tanta ou mais da que talvez seja necessária em Portugal, um país desabituado a sentir a terra tremer com a intensidade com que o fez em Katmandu. “De manhã vimos milhares de pessoas a chorarem, em pânico, nas ruas“, revelam, lembrando que a cidade estava “cheia de turistas” devido a um festival que estava agendado para os próximos dias.
Findos uns 15 minutos e a conversa com o Observador termina num ápice, ao empurrão de mais um susto: “Outra réplica. Esta meteu medo.” Mal houve tempo para despedidas antes de ambos saírem do hostel para rumarem a “um parque”, onde vão dormir. E, esperamos nós, passar uma noite tranquila.