Uma aula de 100 minutos de português à segunda-feira, outra de 100 minutos à quarta, colada a uma aula de compensação de 50 minutos nesse mesmo dia ao final da tarde, e mais uma aula de 50 minutos à sexta, à qual se soma outra de compensação, também de 50 minutos, de três em três semanas. Têm sido assim as semanas da turma do 6.º I da Escola Básica Dr. Costa Matos, em Gaia, desde janeiro. E este é apenas um dos exemplos que ilustra a sobrecarga que muitos dos alunos, afetados pelos problemas das colocações no início do ano letivo, têm sentido. A matéria foi dada, resta esperar pelos resultados dos exames de português e matemática da próxima semana para saber se foi apreendida.

“Teve que ser assim por causa da matéria. E está dada, em alguns casos mais a correr, sem profundidade, mas está dada. Estes alunos vão em pé de igualdade para os exames nacionais” da próxima semana, acredita a professora Manuela Freitas, que chegou àquela escola de Gaia só em finais de outubro.

Mas a que custo? “Eles estão um bocadinho cansados do português”, confessa a docente que está a dar aulas de compensação a três turmas diferentes de sexto ano e que considera que “não havia outra alternativa”.

Iva Monteiro também só chegou à Escola Básica 1/2/3 com jardim de infância Pedro de Santarém, do Agrupamento de Benfica, em Lisboa, a 28 de outubro, depois de ter sido colocada uma primeira vez numa escola no Algarve. Até essa altura, as suas duas turmas de 6.º ano não tinham tido aulas de matemática. E foi preciso compensar o tempo perdido. Por isso mesmo, a partir do início do segundo período, passaram a ter mais um bloco de aulas de 90 minutos por semana. Numa das turmas o bloco foi seguido, na outra – mais problemática – repartiu-se o bloco por dois dias diferentes.

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“Na minha opinião, foi uma sobrecarga para os alunos. Consegui recuperar a matéria perdida, consegui acompanhar os colegas em termos de ponto de situação, agora não acredito que isso tenha os mesmos resultados”, antecipa a docente, acrescentando: “Eles estão cansados. Eles e eu.”

Há um dia da semana em que uma das turmas tem dois blocos, ambos de 90 minutos, de matemática: um de manhã e outro à tarde. “É um excesso de carga horária” sublinha a professora, e deixa a dúvida: “Não sei se o aproveitamento teria sido o mesmo se estes alunos não tivessem perdido aquelas aulas no início do ano.” Daí “ser difícil responder se eles estão em pé de igualdade com os outros alunos”. A questão é que “entre esta [opção] e nenhuma, prefiro esta”, remata a professora de matemática, confessando-se cansada.

Saltando de uma escola em território de intervenção prioritário (TEIP) para outra, também do mesmo Agrupamento de Benfica, mas de 1.º ciclo, encontra-se o mesmo problema. Só a 23 de outubro Rita Correia chegou à EB1 com Jardim de Infância Arqº Ribeiro Telles para começar a dar aulas à turma de 4.º ano, que será posta à prova na próxima semana, a matemática e a português.

“O início foi complicado, pois os alunos – muitos deles com problemas de comportamento – estiveram muito tempo sem aulas. Foi difícil imprimir ritmo”, começa por enquadrar a docente do 1.º ciclo. E, nesta escola, as aulas de compensação arrancaram logo em novembro. Não implicaram mais horas na escola, mas sim uma redefinição do horário de modo a dedicar mais horas ao português e à matemática, até aos exames.

A hora e meia de apoio semanal passou a ser unicamente para português e matemática e tirou-se mais 3h30, por semana, a estudo do meio e expressões para conseguir recuperar matéria perdida às duas disciplinas que serão examinadas.

“Se resultou? Só mesmo depois dos exames é que poderemos tirar conclusões. Nesta altura não lhe consigo dizer”, apressa-se a responder Rita Correia. E mais uma vez frisa: “Ss crianças começaram a acusar cansaço”.

“As aulas da parte da tarde são das 14h00 às 16h00 e os miúdos às 15h00 já estão mais cansados e com dificuldade em concentrar-se”, resume a docente.

Segundo o Diário de Notícias, o Ministério da Educação acabou por autorizar planos de recuperação em 123 agrupamentos escolares, dando prioridade às disciplinas nos anos de exame ou de fim de ciclo, o que resultou em 1.594 horas de aulas a mais para compensar a matéria perdida no início do ano, fruto dos erros na colocação de professores, através da bolsa de contratação de escola (BCE), nas mais de 300 escolas com contrato de autonomia e em território de intervenção prioritária (TEIP). As aulas de compensação foram uma das soluções encontradas pelos diretores de escolas para remediar o problema criado pelos atrasos.

Houve porém escolas que, embora tenham pedido aulas de compensação ao Ministério da Educação, não viram o seu pedido ser atendido. Foi o caso de uma escola na região oeste do distrito de Lisboa, onde uma professora de português, que preferiu não ser identificada, acabou por dar aulas de compensação às duas turmas de 6.º ano, por iniciativa própria, e sem receber nada em troca.

“Às vezes chego a pensar que se calhar sou parva. Ainda por cima estou deslocada e uma das turmas só pode ter a aula de compensação à sexta-feira à tarde”, desabafa esta docente, que optou por dar estas aulas a mais no terceiro período por ter percebido que “ia ter dificuldades em fazer o treino de forma a preparar os alunos para o exame” da próxima semana.

“Eu daria a matéria toda na mesma, mas não ia conseguir treiná-los. Eles têm trabalhado imenso e acusam muito stress. Mas chego ao fim e sinto que os consegui ajudar. Noto muita diferença”, remata.

Na próxima semana estes alunos de 4.º e 6.º anos vão ter de mostrar os conhecimentos que têm. As estimativas apontam para que 103 mil alunos do 4.º ano façam prova de português e matemática em 1.100 escolas, na próxima segunda e quarta-feira. Já as provas de 6.º ano deverão ser realizadas por cerca de 114 mil alunos, em 1.133 escolas diferentes, na terça e quinta-feira, de acordo com informação enviada ao Observador por fonte do Ministério da Educação, citando dados do Júri Nacional de Exames.

Nesse período em que vão decorrer as provas finais de ciclo, “as escolas devem adotar medidas organizativas ajustadas para os anos de escolaridade não sujeitos a exame, de modo a garantir o máximo de dias efetivos de atividades escolares, bem como o cumprimento integral dos programas das diferentes disciplinas e áreas curriculares”, respondeu a mesma fonte do Ministério de Nuno Crato, sem avançar quantos alunos ficarão sem ter aulas nestes dias e horas, nas escolas onde vão decorrer os exames.