Muhammed Ahmed el-Hamed pastoreava as suas cabras na companhia de dois familiares. Os animais subiram a um penhasco no deserto da Judeia mas fazia-se noite e o pastor queria voltar para casa. Por isso decidiu escalar aquele monte. Foi quando reparou em duas aberturas entre as rochas. Curioso, atirou uma pedra para o buraco e ouviu o som de cerâmica a partir-se.
Estávamos em 1947, na intitulada Caverna de Qumran, no Mar Morto: o pastor acabava de descobrir o lugar onde estavam guardados, em vasos de barro, parte dos Manuscritos do Mar Morto, um conjunto de textos escritos 250 anos antes de Cristo que falam de um eventual messias mais antigo que Jesus e que podem pertencer ao povo hebraico essénio. Agora, o historiador bíblico Hershel Shanks estuda esses documentos no livro “Compreender Os Manuscritos do Mar Morto”.
As relíquias encontradas pelo pastor foram as primeiras a fazer parte desses Manuscritos do Mar Morto, hoje considerados a versão mais antiga dos textos bíblicos, o original da Biblía hebraica. Os restantes textos foram desenterrados de cavernas de formação calcária em Qumran. A Bíblia atual faz referência a estas descobertas em
Examinais as Escrituras, porque julgais ter nelas a vida eterna, e são elas mesmas que testificam de mim. (João 5-39).
Quando o pastor encontrou todo aquele material não entendeu a importância do achado. Decidiu entrar na gruta em busca de um tesouro e deparou-se com textos em tecido. Mal sabia ele que cumpria uma outra passagem bíblica:
E, se clamares por inteligência, e por entendimento alçares a voz, se buscares a sabedoria como a prata e como a tesouros escondidos a procurares, então, entenderás o temor do Senhor e acharás o conhecimento de Deus. (Provérbios 2-3.5)
De acordo com uma das cartas encontradas, teria havido um messias pré Jesus, que desapareceu perante as ameaças à sua vida. Era o “Mestre da Justiça”, um homem enviado por Deus para guiar os judeus com cólera em 196 a.C.. A desencaminhar os judeus estava o “Homem das Mentiras”. Em Damasco, ter-se-á estabelecido uma aliança anti-mestre e ele “recolheu-se” (leia-se, desapareceu). Mas todos esperavam que regressasse um dia.
Esta é apenas uma das histórias que contam os 2 mil documentos que el-Hamed encontrou naquele dia, todos até mil anos mais antigos que os textos bíblicos. Existem documentos com hinos, salmos, leis e referências a tesouros.
Até àquela altura, os textos mais antigos que haviam sido descobertos eram chamados Textos Massoréticos (da palavra hebraica massorah, que significa “tradição”). Esse material foi comparado com os Manuscritos do Mar Morto: fora as diferenças ortográficas consideradas “insignificantes” pelos especialistas, não encontraram uma única informação que não coincidisse.
Se está em busca de um exemplo, aqui vai ele: contam os crentes na Bíblia que o Manuscrito de Isaías serviu de base a um documento que Jesus utilizou enquanto conversava com os seguidores. Numa sinagoga, terá dito
O Espírito do Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu para evangelizar os pobres. (Lucas 4-18; Isaías 61-1)
A seguir sentou-se, largou o dito livro e terá dito que aquelas palavras se cumpriram diante dos olhos dos presentes, afirmando claramente ser ele o Messias. Na versão original a frase é muito semelhante e a interpretação é a mesma:
O Espírito do Senhor Deus está sobre mim, porque YHVH (hebraico para “Javé”) me ungiu para pregar as boas novas aos quebrantados.
De acordo com o El País, este material esteve desaparecido largas centenas de anos depois da destruição, ordenada por Tito, aos templos de Jerusalém. Muitos documentos valiosos da Palestina desapareceram e com eles histórias dos judeus que viviam na Terra Santa naquele tempo.
Outros investigadores tiveram acesso aos mesmos documentos, mas a exposição ao sol e a circulação desse material de mão em mão acabaram por os deteriorar. Certos textos ficaram mesmo reduzidos a migalhas. Como aqueles documentos foram parar a vasos escondidos numa caverna do deserto ainda ninguém descobriu: podem ter chegado àquele lugar pelas mãos de um monge de um mosteiro ou podem ter sido escondidos dos romanos para proteger o nome de Javé (Deus).
A preservação de todas as informações referentes a Deus eram de tal modo importantes para a época que ninguém se atrevia a colocá-las em perigo. A própria Bíblia incentiva a esse cuidado em várias passagens, nomeadamente em
São mais desejáveis do que ouro, mais do que muito ouro depurado; e são mais doces do que o mel e o destilar dos favos. Além disso, por eles se admoesta o teu servo; em guardá-los, há grande recompensa. (Salmos 19-10.11)
Adolfo Roitman é diretor do Santuário do Livro de Jerusalém, pertencente ao Museu de Israel. É neste local que estão os oito documentos melhor conservados: fazem parte do Livro de Isaías, com sete metros de extensão e digitalizado com uma resolução de 1.200 megapíxeis.
Certo é que existem documentos nesse museu que são impossíveis de ler para alguns historiadores: os proprietários não deixam. O secretismo lançado sobre eles levantam uma questão: será que aquelas páginas escondem os mistérios mais recônditos do cristianismo e do judaísmo?