Nesta época do ano algumas famílias respiram de alívio. São as famílias com filhos considerados hiperactivos. Pelo menos durante algum tempo – o tempo das férias grandes que já foram bem maiores – descansam dos recados, dos avisos e das reuniões na escola que quase invariavelmente vão dar ao que parece óbvio a todos: há que fazer alguma coisa para acalmar aquela criança.

“Há professores que se esforçam até ao limite dos limites para conseguirem uma inserção do desviante seja de que tipo for, o sítio onde ele fica sentado, a proximidade do professor, o tipo de interesses que ele mostra, como é que se pode ir ao encontro dos interesses… Depois há outros professores ou outras circunstâncias em que [aquilo] se procura é ‘se eu me visse livre destas pessoas era o ideal.’ Começa por se chamar os pais, falar com os pais, ‘o seu filho é insuportável. Veja lá se o levam a algum lado. Veja lá se lhe dão umas pastilhas’…”

Emílio Eduardo Salgueiro fala baixo e devagar. Calculo que é neste tom que se dirige aos pais e aos filhos que chegam ao seu consultório. Os filhos, diz, vêm porque são considerados “insuportáveis” e também porque têm mau rendimento escolar: “os maus comportamentos com bom rendimento são absorvidos [pelo professor]”. Os pais chegam à consulta “zangados”: “Em regra [as pessoas] vêm muito zangadas com a escola. Com a escola. Não é tanto com o professor A, B ou C. É com a escola. E vêm zangadas com o filho.”

Mas voltemos às “pastilhas”. Num discurso em que as pausas e as repetições não são neutras retoricamente falando, Emílio Eduardo Salgueiro repete a expressão “umas pastilhas”. Era inevitável falarmos delas ou mais propriamente daquilo que “as pastilhas” representam: a medicação das crianças com problemas de comportamento. “Essa é uma das soluções procuradas e mais populares hoje em dia (…) porque há uma medicação que é eficaz numa percentagem elevada, 60 a 65% dos alunos grandes irrequietos acalmam.” Apesar do valor expressivo destas percentagens Emílio Eduardo Salgueiro não considera esta solução uma boa solução: “É eficaz na acalmia mas em regra eles não aprendem melhor porque os processos de aprendizagem não estão diretamente ligados ao comportamento. Mas como não incomodam, ficamos com o problema adiado…”

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Ao falarmos de medicação e do recurso ao enquadramento legislativo que permite a estas e a outras crianças fazer a sua vida escolar com níveis de exigência diferentes era quase obrigatório abordarmos as questões do diagnóstico: “Fiz um trabalho em que comparei três escolas de três áreas e havia escolas em que era frequentíssimo o diagnóstico hiperactivo e escolas onde era raro o diagnóstico hiperactivo. Mais do que isso: em cada escola havia turmas em que havia uma percentagem apreciável [de diagnóstico hiperactivo] e turmas em que não havia. Chegou-se à conclusão que havia um efeito região, efeito bairro e efeito professor”.

E por fim chegamos à pergunta que atravessa todas as conversas, discussões e angústias sobre hiperactividade – porquê? Para Emílio Eduardo Salgueiro “não são só as crianças que se tornaram irrequietas. A sociedade está irrequieta. Portanto as famílias também estão irrequietas. Mas não dão por isso. Só dão por isso no outro que é o filho.”

E assim chegamos ao título desta entrevista – “Em regra não há filho irrequieto numa família tranquila.” E aqui acabam as transcrições porque para concordar, discordar e sobretudo perceber estas e outras afirmações de Emílio Eduardo Salgueiro o vídeo desta entrevista é fundamental.