O ex-presidente da Comissão Europeia esteve em Castelo de Vide para uma aula sobre “o que se passa com a Europa”. Os alunos eram os jovens sociais-democratas que estão a frequentar a habitual Universidade de Verão do PSD, que marca a reentré do partido, e o tom foi o de um professor. O que foi a chamada “crise do euro”?, perguntou à plateia. “A crise não foi a crise do euro” e também “não foi a troika que criou a crise, foi a crise que criou a troika”, respondeu de seguida, como que desconstruindo os seus 10 anos à frente de uma União Europeia em crescimento (e em sofrimento). Pelo caminho, pormenores sobre as suas reuniões com Obama, Bush, Sarkozy e até Cristina Kirchner, que “dava lições de 45 minutos sobre o que devíamos fazer na Europa”.
“A crise do euro é uma expressão curiosa, sugere que o euro está no centro da crise. Mas não é verdade, o que esteve em crise não foi o euro, o euro manteve-se sempre como moeda estável e sólida. A crise nasceu nos EUA, e o detonador foi a falência do Lehman Brothers, a crise do subprime, o crédito excessivo dado a quem não tinha como pagar”, começou por dizer Durão Barroso, numa tentativa de provar por a + b que a crise não se limitou aos países da Europa, nem teve aí o seu epicentro.
Então perguntou: “Alguém me sabe dizer qual foi o país que teve de mobilizar mais dinheiro dos contribuintes para salvar os seus bancos?”. Na plateia alguém arriscou em cheio. “Exato, o Reino Unido. E o segundo foi a Alemanha”. Ou seja, não foi a Grécia, nem Portugal, nem Espanha. Mais uma pergunta para o teste: “Qual foi o país mais afetado pela crise que teve em situação de insolvência?” “A Islândia, que nem sequer é membro do euro ou da União Europeia”, respondeu.
Para Barroso, o que levou à derrocada dos países resgatados, como Portugal, Grécia, Irlanda e até Espanha, foi o facto de todos eles terem perdido competitividade antes da crise financeira. Terá sido sobretudo isso, segundo o ex-presidente da Comissão Europeia, que fez com que esses países quebrassem quando o pânico da crise de 2008 se alastrou.
“Quando se criou um pânico generalizado, os mercados foram ver quais os países que estavam em condições de quebrar, e eram estes países. Não foi por serem da periferia geográfica da UE, isso é só uma coincidência interessante, mas sim por serem países com determinadas vulnerabilidades”, disse.
Isto para concluir que “a crise financeira ultrapassou em muito o euro, não foi criada pelo euro, não é da responsabilidade da União Europeia. Resultou sim de comportamentos financeiros inaceitáveis que tiveram lugar nos EUA mas também na Europa, ou de comportamentos irresponsáveis de governos nacionais que deixaram acumular dívidas públicas”, atirou.
O que é que aconteceu então à Europa com o deflagrar da crise? Durão Barroso arrisca que o que aconteceu foi que a zona euro, não tendo sido responsável pela crise, não estava preparada para ela. “Tínhamos a união monetária mas ainda não tínhamos a união económica”, e foi isso que faltou, disse aos jovens sociais-democratas, lembrando como teve de “convencer” a Alemanha a ir ao encontro dos países em pré-falência e como países como a Alemanha e a França, no início, faziam erguer a bandeira da “soberania” para impedir o reforço dos poderes fiscalizadores do Eurostat, que a Comissão sugeria.
“Quando começámos a ter dúvidas sobre as contas gregas, no meu primeiro mandato, quisemos dar mais poderes ao Eurostat para fiscalizar, mas a proposta não foi aceite por causa do lema da soberania. E quem esteve contra foi a Alemanha e a França, não a Grécia”, contou.
A lição do dia foi essa. A de que a Europa é “complexa”, mas que “lutou sempre” por sair da crise. Pelo caminho, Durão Barroso confessou que foi muitas vezes questionado pelos parceiros do G8 sobre se o euro iria sobreviver. E até que teve de ouvir tanto os presidentes dos EUA, da China, da Rússia a palpitarem sobre o problema, como a presidente da Argentina, Cristina Kirchner, que certa vez falou durante uns longos 45 minutos sobre o que a Europa deveria fazer (os restantes tinham falado apenas “sete ou oito minutos”).
“Tivemos de ouvir disparates atrás de disparates, mas tivemos uma grande paciência europeia, porque sabíamos que a crise era séria”, disse. E que só com “compromissos” é que chegaríamos a uma solução. “Porque não somos um Estado. Somos uma união de Estados e numa união não pode haver uma opinião que prevaleça sobre todas as outras”.
Crise das migrações: “Não ponham a culpa na Europa”
O tema quente da crise das migrações foi outro dos tópicos abordados por Barroso durante as mais de duas horas de aula em Castelo de Vide. Perentório na defesa da Europa como um todo, o ex-presidente da Comissão defendeu que são os Governos europeus que estão a ser incapazes de responder ao problema, recusando a ideia de que as culpas recaiam sobre a Europa em geral.
“Os Governos europeus são incapazes, os Governos europeus não estão a ser capazes de dar uma resposta à imigração, não ponham a culpa na Europa em geral”, disse, gracejando que a Europa tem as “costas largas” e que, por isso, é “muito fácil colocar as culpas” sobre ela. “É fácil para os políticos nacionais quando algo corre mal dizerem “é a Europa”, vincou, arriscando que parece existir a ideia da “europeização do fracasso e da nacionalização do sucesso”, já que quando as coisas correm bem o mérito é de cada país, quando correm mal a culpa é apenas da Europa.
Abordando diversas vezes o tema da imigração, Durão Barroso defendeu uma Europa de “portas abertas, mas não escancaradas”, recusando a xenofobia e o nacionalismo, mas deixando uma nota sobre o “esforço enorme” que é preciso implementar para integrar os imigrantes. A aprendizagem da língua do país de acolhimento foi um dos exemplos dados para estimular a integração.
“Precisamos de integrar as pessoas, não podemos criar novo guetos na Europa, temos de fazer um trabalho de formação dessas pessoas”, disse, insistindo que as migrações são um problema estrutural que não pode ser resolvido só com “medidas de polícia”.