Há vários votos de emigrantes portugueses em risco. Numa altura em que o número de indecisos e a taxa de abstenção ameaçam serem elevados, existem vários portugueses no estrangeiros que querem votar e não conseguem. Há emigrantes que ainda não receberam boletins de voto e há outros que não vão conseguir que o seu voto chegue a tempo a Portugal para contar para o escrutínio final. Já circula mesmo uma petição que pede mudanças no sistema de voto para que este não seja “discriminatório”.

As situações mais complicadas acontecem no Brasil, Timor-Leste, Macau e Emirados Árabes Unidos. No Brasil, por exemplo, o problema tem a ver com o funcionamento dos correios daquele país. Decorreu uma greve nos correios que afetou a distribuição, e que ainda não se encontra totalmente resolvida, e em Timor-Leste registaram-se atrasos na chegada de boletins de voto.

O facto de os votos dos emigrantes terem de ser remetidos de novo via postal para Portugal parece ser, efetivamente, o maior problema. Em Timor-Leste, os eleitores que foram levantar os boletins de voto na semana passada, visto que em Timor também não existe distribuição, foram informados de que os votos poderiam demorar entre três semanas a um mês a chegar a Portugal. Nestas circunstâncias, existe a possibilidade dos votos não chegarem a tempo de contabilização – o prazo para a receção termina dia 14. A Embaixada Portuguesa em Díli estava a tentar viabilizar o envio dos votos por mala diplomática, uma solução não contemplada na lei, no que diz respeito aos votos dos emigrantes. Mas o porta-voz da Comissão Nacional de Eleições (CNE) disse ao Observador que esta solução não será utilizada para não acontecer como há quatro anos.

Em 2011, os boletins de voto dos emigrantes em Timor acabaram por ser enviados por mala diplomática para Portugal, “dado o acordo entre os delegados das várias candidaturas”, para garantir a chegada a tempo da contabilização dos votos. Mas, durante o apuramento, alguns levantaram objeções dado que este meio de entrega não estava na lei e, por isso, todos os votos foram considerados nulos, disse o porta-voz da CNE, João Almeida. É por isso que, este ano, as malas diplomáticas não vão ser usadas para o transporte de boletins de voto, explicou.

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Este tipo de atraso não é caso singular. Até sexta-feira passada, havia eleitores em Macau que ainda não tinham recebido os boletins de voto pelo, que, mesmo que sejam recebidos durante estes dias, está em causa a chegada do voto a Portugal, a tempo de serem contabilizados. Um emigrante em Macau disse ao Observador que os boletins de voto “na sexta-feira ainda não tinham chegado, o que tornou o ato eleitoral impossível” para ele e para a família porque segunda-feira foi feriado, e quinta e sexta também serão. “Mesmo que tivéssemos recebido o boletim de voto hoje (terça-feira), duvido que chegasse a tempo”, afirmou ao Observador. O secretário de Estado das Comunidades, José Cesário, disse ao Observador que “os boletins estão a chegar progressivamente” a Macau, ou seja, a situação ainda não se encontra totalmente resolvida.

Nos Emirados Árabes Unidos, a situação com os correios é ainda mais estranha. Uma emigrante portuguesa está com problemas em receber o boletim de voto porque lá não existe distribuição de correio ao domicílio. A solução é uma caixa postal na empresa onde se trabalha ou, se assim se escolher, uma caixa postal pessoal. No entanto, a morada fornecida na embaixada portuguesa é a da residência. Confrontada com esta situação, Ana Sá, que emigrou há pouco tempo naquele país, contactou a CNE, que lhe pediu, por e-mail, um endereço de caixa postal para o qual pudesse enviar uma segunda via do boletim de voto. Assim fez, fornecendo o endereço da caixa postal da entidade patronal, mas, até agora, ainda não recebeu qualquer boletim. “Recenseei-me atempadamente, gostaria de votar, mas resta-me aguardar por uma carta com um boletim de voto que nunca chegará! E contribuirei assim para os ‘baixíssimos’ níveis de abstenção já existentes”, afirmou ao Observador Ana Sá.

Pode ser usada a mala postal?

Indignados, há emigrantes que já criaram existe uma petição online para o “Exercício Pleno do Direito de Voto para Cidadãos Portugueses Recenseados no Estrangeiro”. Nela pode-se ler que “o sistema de voto por correspondência ao depender de circunstâncias não controláveis pelo Ministério da Administração Interna (tais como o funcionamento dos serviços postais internacionais) é automaticamente potencialmente discriminatório” e que “a impossibilidade da garantia da remessa dos boletins de voto dentro do prazo legal introduz um elemento de incerteza demasiado elevado para o exercício de um dos mais fundamentais e basilares direitos constitucionalmente definidos que é o direito de voto”. Sobre a mala postal, a petição diz não existir “fundamento para considerar que o envio dos boletins de voto por mala diplomática não se enquadra no conceito de “via postal” utilizado para efeitos de legislação, dado que a mala diplomática consiste no envio de correspondência especial, que pode ocorrer pelas mesmas vias de distribuição dos serviços postais regulares”.

O problema parece residir na demora dos serviços de correios, um problema sobre o qual a CNE não pode atuar. O porta-voz desta entidade reguladora diz mesmo que a única forma de evitar estas situações é “alterar o sistema de votação”, algo que ainda não foi feito. E acrescenta que julga não ser possível “enviar os boletins mais cedo”, dado que o Ministério da Administração Interna faz por enviar o “mais cedo possível”. João Almeida diz que, quando são impressos, o boletins que vão para o estrangeiro integram todas as candidaturas aprovadas pelo Tribunal Constitucional, apesar de existir a possibilidade das candidaturas desistirem da corrida a São Bento. O que mostra que os boletins de voto enviados para o estrangeiro são feitos antes “para poderem ser enviados mais cedo”. Refere, ainda, que no caso dos países em que não existe distribuição postal, a CNE “não pode obrigar” esse país a ter esse serviço.

Outro dos problemas que surgiu este ano foi a falta do remetente “Portugal” nos envelopes em que os boletins devem ser enviados de volta para território nacional. Sobre este ponto, João Almeida diz que hoje em dia “não tem grande importância porque os códigos postais são lidos opticamente“. Além disso, recorda que nos últimos anos “não tem havido queixas” de impossibilidade de voto “por o envelope ter sido devolvido devido a morada incompleta”.

O envio dos votos, por parte dos emigrantes, por via postal é uma situação que se aplica às eleições para a Assembleia da República. Quando eleições são para o Parlamento Europeu, para a Presidência da República ou para o Conselho das Comunidades, os eleitores emigrados deslocam-se às mesas de assembleias de voto instaladas nas representações diplomáticas portuguesas.