Desejar o melhor. Que tudo corra bem, não haja lesões, os minutos de jogo se multipliquem e, se possível, todos tenham o que querem. Se o cholismo estivesse em livro, este seria o capítulo mais recente: esperar que tudo corra bem aos jogadores que já seguiram e deixaram de seguir esta filosofia. Diego Pablo Simeone é alguém que diz o que sente e antes de rever velhos conhecidos — Salvio, Raúl Jiménez, Pizzi e Sílvio — aproveitou para desejar tudo de bom aos jogadores que já andaram pelo Atlético de Madrid. O cholismo vem de El Cholo, alcunha que significa mestiço e que foi dada ao hoje treinador argentino porque era parecido com um tipo que jogou décadas antes dele. Primeira moral da alcunha: pouco tem a ver com ele. Mas fica no ouvido e dá jeito para os espanhóis falarem em cholismo para descrevem a forma como o Atlético joga.

É uma equipa agressiva, organizada como poucas, que aperta os adversários como loucos e castiga-os sem dó a cada erro que cometem. Simeone disse uma vez que “o esforço é inegociável” e isso vê-se por quase toda a gente que joga contra os colchoneros ficar com dificuldades em respirar. Dizer bem do Atlético é ao mesmo tempo elogiar o Benfica porque, durante uns bons 15 minutos, os espanhóis tentam mas não fazem nada disto. Samaris e André Almeida arranjam sempre espaço para tocarem na bola e a urgência do Atlético a pressionar não chega para impedir que a bola chegue a Gaitán e a Jonas, os encarnados que mais sabem o que fazer com ela. Logo aos 6’, o brasileiro recebe-a à craque, enganando Gabi com o corpo, arranca, finta dois e, à entrada da área, solta um remate que passa rasteiro ao lado da baliza.

O Benfica está “no red line” da concentração e joga como Rui Vitória queria, seguro e sem erros à mistura. Aos 15’ até monta uma jogada desde a área, com poucos toques, até Eliseu levantar a bola para se encontrar com uma diagonal de Gonçalo Guedes. O miúdo chega primeiro à bola, e trama Oblak, que correra até ao limite da área, mas o chapéu que dá ao guarda-redes não resulta porque Filipe Luis está quase em cima da linha para cortar a bola. O Benfica está bem, mas há um problema — quanto mais os encarnados crescem, mais os espanhóis ficam à vontade para jogarem como querem. O primeiro quarto de hora passa e o Atlético começa a ser aquele Atlético cirurgião, que aguarda até o adversário estar confiante para lhe dar a impressão que controla tudo. Aparecem aqueles momentos de pressão repentinos, vindos do nada, e os encarnados perdem uma bola atrás de outra.

Por isso os colchoneros atacam a área quando o Benfica está desorientado, acabado de perder a bola. Jackson Martínez não para de se desmarcar para a área, mas aos 21’ e 25’ usa o pé direito para rematar por cima e a cabeça para atirar ao lado as bolas que Gabi e Óliver Torres lhe passam. O colombiano não se lamenta porque, pelo meio, Griezmann usa a canhota para, de primeira, passar a Correa a bola que Juanfran cruza rumo à área. Jardel esquece-se do argentino e deixa-o sozinho, a um metro de Júlio César. O remate é fácil e o 1-0 aparece. Depois de Jackson voltar a não acertar com um remate os encarnados percebem que têm de se unir para fugir à pressão alheia. Juntam mais os jogadores, Samaris cola-se aos laterais que saem com a bola e os passes curtos e de primeira são regra.

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MADRID, SPAIN - SEPTEMBER 30: Nicolas Gaitan (R) of SL Benfica celebrates scoring their opening goal with teammate Jonas Goncalves (L) during the UEFA Champions League Group C match between Club Atletico de Madrid and SL Benfica at Vicente Calderon Stadium on September 30, 2015 in Madrid, Spain. (Photo by Gonzalo Arroyo Moreno/Getty Images)

Um visitante não marcava um golo no estádio do Atlético de Madrid desde março de 2014. Nico Gaitán sucedeu a Kaká. Foto: Gonzalo Arroyo Moreno/Getty Images

Resulta, e bem, já que, da primeira vez que a equipa volta a montar uma jogada, Nélson Semedo fica com metros de espaço para avançar. O lateral, já perto da área, cruza a bola, Godín salta para a cortar mas só consegue desviá-la e dar-lhe um atalho para o pé esquerdo de Gaitán, que a remata de primeira e faz um golo dos bons. O 1-1 deixava o Benfica ir aliviado para o intervalo. Isso faz bem à equipa, que volta ciente do que pode ganhar se for matreira e passar a fazer o que o Atlético faz sempre — esperar pelo erro alheio e aproveitá-lo o mais rápido possível.

E que resultado isto deu.

Ao primeiro contra-ataque que os encarnados montam conseguem puxar pelas pernas de Nico Gaitán. O argentino a quem Simeone chamara “a referência” do Benfica sprintou pela esquerda, obrigou dois adversários a correrem atrás dele até, do nada, travar. Parou, olhou para a área, viu Gonçao Guedes bem longe e fez o que raramente tenta: passar a bola com o pé direito. Saiu um senhor passe, que viajou 30 metros até encontrar o “jovem Guedes”, como o definiu El Cholo, que com pouco ângulo e perto do poste rematou de primeira para bater Oblak. O 2-1 parecia ouro numa casa onde o anfitrião não perdia, na Europa, há 23 jogos. Sobretudo para Guedes, que se tornou o mais jovem português de sempre a marcar na Liga dos Campeões.

O golo apareceu aos 51′ e, depois, foi uma questão de aguentar. Não a avalanche de ataques e jogadas perigosas do Atlético, já que não haveria muitas, mas sim a postura que dera conforto ao Benfica e desconforto aos espanhóis. Porque os colchoneros de Simeone são bons em muita coisa menos serem capazes de dominar como deve ser um jogo que o adversário lhes dá para controlarem. Os encarnados fecharam-se, uniram os jogadores a defender, juntaram todos atrás do meio campo e poucos foram os espaços que abriram — ou que, lá está, o Atlético conseguiu abrir. Mas houve-os e, aos 59′, obrigaram Júlio César a armar-se em herói para defender um remate de Jackson e parar a recarga de Correa. Anda se viu Tiago, aos 68′, a rematar uma bola que rasou o poste da baliza do Benfica, e para o resto houve a cabeça de Luisão, as dobras de Jardel e as ajudas de Samaris para cortarem tudo. Depois houve Jonas para segurar a bola e quase nunca a perder e Gaitán para correr e fugir com ela quando era preciso.

O Benfica pegou na arma preferida do Atlético, aprendeu a usá-la, virou-a contra os espanhóis e, além de passar a lidar o grupo com seis pontos, deu algo que os colchoneros não tinham desde 2009 — uma derrota na Liga dos Campeões. E fez com que esta raridade continue a falar português, já que a última equipa a consegui-lo tinha sido o FC Porto. O Benfica bem sabia o que era penar em Espanha, pois não ganhava um jogo ali desde 1982, quando venceu o Bétis em Sevilha no tempo em que Sven-Göran Eriksson impressionava e era um íman de elogios. Agora surgiu uma vitória que pode dar o mesmo a Rui Vitória.

MADRID, SPAIN - SEPTEMBER 30: Head coach Rui Vitoria (2ndR) of SL Benfica greets their fans surrounded by his players after winning the the UEFA Champions League Group C match between Club Atletico de Madrid and SL Benfica at Vicente Calderon Stadium on September 30, 2015 in Madrid, Spain.  (Photo by Gonzalo Arroyo Moreno/Getty Images)

Foto: Gonzalo Arroyo Moreno/Getty Images