Um vice-presidente da direção parlamentar do PSD, Sérgio Azevedo, utilizou o Facebook para pedir a demissão de João Soares da pasta da Cultura. E já não é voz única no meio político.
“Um ministro (sim com m pequeno, minúsculo) que promete “bofetadas” a um crítico, para além de ser um tipo pequenino, só tem um caminho: a demissão!”, escreveu o deputado social-democrata depois de João Soares ter oferecido “um par de bofetadas” a dois críticos públicos sobre a sua ação na Cultura.
Um ministro (sim com m pequeno, minúsculo) que promete "bofetadas" a um crítico, para além de ser um tipo pequenino, só tem um caminho: a demissão!
Publicado por Sergio Azevedo em Quinta-feira, 7 de Abril de 2016
Também o líder da JSD, o deputado Simão Ribeiro, diz que a consequência das palavras de João Soares deve ser a demissão. “Devia retratar-se, pedir desculpa, e demitir-se”, disse ao Observador, sublinhando que o ministro que tutela a Cultura e a Comunicação Social “não pode agir como se não tivesse responsabilidades governativas”. “Gente que governa o país não é um mero militante”.
“O PS vai revelando muito bem ao que vem, os episódios desta telenovela já começaram cedo”, diz, lembrando o caso da mensagem “forte” que António Costa mandou a um jornalista do Expresso durante a campanha eleitoral por não ter gostado de um artigo de opinião. “O PS e a esquerda gostam muito de falar de liberdade mas só quando não lhes toca a eles, aí convivem muito mal com a crítica”, acrescentou.
Entretanto, o PSD já reagiu oficialmente à polémica em torno das declarações do ministro da Cultura. Hugo Soares, vice da bancada parlamentar social-democrata, não reforçou o pedido de demissão feito por Sérgio Azevedo, lembrando que as declarações do deputado traduzem uma opinião pessoal e “não veiculam” o grupo parlamentar do PSD. Ainda assim, o deputado do PSD não deixou de tecer críticas à atuação do ministro e, por extensão, do PS. “O PS não tem respeito nenhum pela liberdade de expressão”, afirmou o social-democrata, no Parlamento.
Denunciando a existência de uma reação “padrão” a todos os que ousam criticar o PS ou o Governo, Hugo Soares aproveitou para lembrar o caso da SMS de António Costa a um jornalista do Expresso que o tinha criticado. “O PS não se pode afirmar com o paladino da liberdade de expressão” se depois não hesita em atacar desta forma os críticos, denunciou Hugo Soares, antes de descrever mais uma vez as declarações de João Soares de “inqualificáveis“.
Fonte do Bloco de Esquerda alerta que “não é o cargo que se adapta ao titular, é o titular que se tem de adaptar ao cargo”. “Parece-nos que não são coisas que um governante não deve dizer”. Mas já há deputados do partido a falar no caso, a título pessoal. O deputado José Soeiro, do Bloco de Esquerda, atira: “Umas bofetadas? O homem passou-se”. Luís Monteiro, o mais jovem deputado do Bloco, também não poupa o ministro. “João Soares quer andar à bofetada. Podia empenhar-se no aumento das verbas para a cultura, que continuam manifestamente abaixo do razoável”, escreve o bloquista no Facebook.
Umas bofetadas? O homem passou-se...
Publicado por José Soeiro em Quinta-feira, 7 de Abril de 2016
O ex-dirigente do BE e do Livre, Daniel Oliveira, também recorreu ao Facebook para pedir a demissão do ministro. “Depois deste post, João Soares tem de se demitir, António Costa tem de se demarcar desta ofensa à democracia e os partidos que sustentam o Governo têm de ser muitíssimo claros”.
João soares quer andar à bofetada. Podia empenhar-se no aumento das verbas para a cultura, que continuam manifestamente abaixo do razoável.
Publicado por Luís Monteiro em Quinta-feira, 7 de Abril de 2016
Também o CDS já reagiu oficialmente às palavras de João Soares. “O mínimo que se exige é um pedido de desculpas”, atirou o deputado centrista António Carlos Monteiro, no Parlamento. Falando em nome do partido, o parlamento disse ser “lamentável” que o ministro reaja a críticas “legítimas” com “ameaças de confronto físico”. “Em democracia, o confronto de ideias e as críticas são sempre legítimas”, reiterou o centrista.
Já a ex-ministra da Cultura Gabriela Canavilhas recusa comentar o que o atual ministro escreveu no Facebook, por considerar que se trata de uma posição de “índole pessoal”. “Só faço declarações sobre posições políticas”. Confrontada com o facto de João Soares utilizar esta rede social para divulgação de ações políticas como governante, a ex-ministra responde ao Observador com os perigos da rede: “É por isso que não tenho Facebook, já que tudo o que é pessoal, público e privado se mistura de forma promíscua”.
Ascenso Simões, deputado do PS e ex-diretor de campanha de António Costa nas últimas legislativas, também já reagiu nas redes sociais às críticas — e pedidos de demissão — que começam a surgir às palavras do ministro. “E agora as pudicas virgens a pedirem a demissão de João Soares…”, escreveu no Twitter.
Como começou?
O ministro da Cultura, João Soares, prometeu duas bofetadas a Augusto M. Seabra, crítico, depois de este ter escrito na sua coluna de opinião que o ministro não tinha qualificações para o lugar. Soares espera ter a “sorte” de se cruzar com o crítico, afirmando mesmo que o vai procurar para lhe aplicar duas bofetadas.
Em 1999 prometi-lhe publicamente um par de bofetadas. Foi uma promessa que ainda não pude cumprir. Não me cuzei com a...
Publicado por João Soares em Quarta-feira, 6 de Abril de 2016
Também Vasco Pulido Valente, historiador e colunista, é visado nesta ameaça, embora João Soares não esclareça diretamente a ofensa de Pulido Valente. No entanto, este cronista tinha escrito no início de março que não tinha “qualquer respeito nem como homem, nem como político” por João Soares.
Já no texto de Augusto M. Seabra, crítico, publicado na quarta-feira este afirma que “o tão badalado ‘tempo novo’ é na cultura apenas o “tempo velho” dos hábitos socialistas” e que João Soares é um “derrotado nato”.
Que um governante se rodeie de pessoas de confiança é óbvio. Mas no caso do gabinete de Soares trata-se de uma confraria de socialistas e maçons. Depois começou a distribuir elogios: foi à ante-estreia de Um Amor Impossível pela sua “grande admiração pela obra notável de António-Pedro Vasconcelos”; destacou “o trabalho notável de Paulo Branco” quando foi à rodagem do filme de Fanny Ardant; foi às Correntes de Escrita porque “a Maria do Rosário Pedreira e o Manuel Alberto Valente” lhe recomendaram. A isto se chama amiguismo, o gesto mais clamoroso sendo a nomeação de um velho apparatchik, Elísio Summavielle, para o CCB, em lugar de António Lamas, que por muitas razões que houvesse para ser substituído o foi de modo grosseiro”, lê-se na mais recente crónica de Seabra.
O conflito entre o ministro e o crítico já dura há alguns anos e João Soares escreve na sua página do Facebook que já em 1999 queria dar “um par de bofetadas” no crítico que teria “bolçado […] umas aleivosias e calúnias” sobre o agora ministro. O socialista conclui o seu texto afirmando que terá de procurar Augusto M. Seabra – e Vasco Pulido Valente – para “as salutares bofetadas”. “Só lhes podem fazer bem. E a mim também”, conclui João Soares. O ministro já disse à TSF que só comentará esta situação mais tarde.
Manuel Falcão, ex-jornalista e gestor cultural, comentou a publicação de João Soares dizendo que o título da prosa poderia ser “sobre a maneira como um Ministro vê a resolução das contradições na sua política cultural”. “E se depois disto me quiserem vir dar um par de bofetadas, pois que tentem, quando me virem”, afirmou o antigo jornalista.
Esta não é a primeira vez que o ministro da Cultura se tinha manifestado na sua página contra os críticos do seu mandato. Na sequência da demissão de António Lamas, Soares já tinha garantido que não era possível intimidá-lo. “Se pensam que me intimidam desenganem-se”, escreveu o socialista em resposta à coluna de opinião de José Manuel Fernandes no Observador.
Pulido à espera das “bofetadas” de Soares. Seabra fala em ataque à liberdade de expressão
E declarações ao Público, Vasco Pulido Valente referiu-se ao post do ministro como uma “insignificância e a grosseria”: “Fico à espera, para me dar bofetadas”. Já sobre as eventuais consequências políticas do que João Soares escreveu: “Não sei o que é permitido e o que não é permitido neste Governo”.
Já Augusto M. Seabra considera as declarações de João Soares “inqualificáveis”. “Não é um simples incidente. É grave e atentatório à liberdade de expressão”. Pior do que isso, considera o crítico e sociólogo português, as ameaças do ministro da Cultura só provam que há um padrão e que o socialista “não hesita em recorrer a gestos atentatórios à liberdade de expressão e aos direitos, liberdades e garantias” para condicionar os críticos.
Agora, “o mínimo que eu espero é que o primeiro-ministro tenha sido informado dos termos habituais utilizados” por João Soares, atira Augusto M. Seabra. Não acredita que o ministro venha a ser demitido, “apesar de este gesto ser um desastre político monumental”, nem tampouco num pedido de desculpas. “Ele nunca mo faria”.
Também não espera que o mundo da cultura se mobilize contra João Soares. Uma coisa, diz, o ministro já conseguiu. “Uma vaga de indignação contra os seus termos”, alimentada pela rapidez com que a informação foi propagada nas redes sociais e nos meios de comunicação social.
Quanto ao incidente de 1999, citado por João Soares, uma explicação simples: quando o cinema Europa encerrou, “houve longo um movimento para transformar o cinema num centro cultural”. O então presidente da Câmara Municipal de Lisboa associou-se ao movimento e Augusto M. Seabra veio a terreiro dizer que tal projeto era “um disparate total”. “Lisboa não precisava de mais um equipamento social com aquelas dimensões. Precisava de espaços de proximidade”. Foi então que João Soares lhe prometeu as primeiras bofetadas. Em sete anos, acabariam por nunca se cruzar. “Felizmente”, acrescenta o sociólogo.
Oficialmente, o Bloco de Esquerda, para já, não tem qualquer reação prevista ao comentário do ministro, bem como o PCP. João Soares disse à TSF, à entrada do Conselho de Ministros, que falará sobre o assunto mais tarde.
Artigo atualizado às 16h18 com a posição oficial do CDS