Nasceu há três meses na Nova Zelândia, é filho de portugueses, mas não tem identidade nem nacionalidade. O pequeno Sebastião, como os pais querem que se chame, ainda não foi registado por causa de um novelo burocrático que envolve o consulado português em Sidney, na Austrália. Sem saber quando é que a criança tem uma identidade oficial, os pais, Marta Silvestre e Bruno Lopes, estão presos no país para onde emigraram e nem sequer podem viajar para Portugal.

“Nos serviços de saúde o Sebastião é chamado por ‘filho da Marta e do Bruno'”, conta ao Observador Marta Silvestre, 33 anos, que emigrou para a Nova Zelândia em 2013.

Marta Silvestre vive com o marido Bruno Lopes, 34 anos, em Auckland. Ela é investigadora em obesidade e diabetes tipo 2 e docente na universidade daquela cidade neozelandesa. Ele é diretor de arte numa agência de publicidade. Os dois emigraram há três anos não “por necessidade”, mas para poderem evoluir profissionalmente. “Nós gostamos muito de Portugal, não somos emigrantes que tivemos que emigrar por necessidade. Fizemo-lo porque em Portugal não podemos subir por mérito e viemos para crescer profissionalmente”, refere Marta.

O casal tem contratos permanentes de trabalho e até reunia condições para ter visto de residência, mas optou sempre por um visto provisório, porque a ideia era regressar a Portugal em abril de 2017. Assim, ainda antes de o bebé nascer, os dois desdobraram-se em pedidos de informação. “Explicaram-me que, desde 2006, na Nova Zelândia, os bebés de pais não residentes ou não cidadãos não podem ter nacionalidade neozelandesa, para evitar que haja emigrantes que obtenham a nacionalidade por via dos filhos”, diz Marta.

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Como ela queria viajar para Portugal ainda no período de licença — para apresentar o filho aos familiares e amigos — telefonou logo para o Consulado Honorário de Auckland para perceber o que era necessário. “Ele ainda nem tinha nascido. Disseram-me que era tudo tratado no Consulado [Geral] de Sidney, na Austrália.”

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Marta e Bruno, quando esperavam a chegada do filho, Sebastião

Marta telefonou para os serviços consulares, explicaram-lhe quais os documentos que precisava ter e até ficou com a ideia de que o processo seria simples. Mas não. O casal tratou de tudo através de Portugal, mandou traduzir os documentos para inglês e reconhecer as assinaturas. Mal o bebé nasceu, a 4 de janeiro, entregaram o dossier no Consulado. Mas, mais de três meses depois, Sebastião continua “sem existir”. Apenas a certidão de nascimento atesta que nasceu num hospital da Nova Zelândia. Não tem identidade, nem nacionalidade, nem documentos de identificação. Logo, não pode viajar.

“Estamos tristes com esta situação, sentimo-nos abandonados. Achei que para contribuir para o meu País tinha que evoluir”, afirma Marta.

Nos contactos que tem tido com o consulado dizem-lhe que “os mails se perdem” e não podem prever o dia em que Sebastião será mesmo Sebastião. Marta chegou a temer que os documentos que tanto demorou a tratar e “que custaram algum dinheiro” se extraviassem. Esta quinta-feira, e depois de um telefonema mais “exaltado”, o casal recebeu um mail onde lhes parece que pela “primeira vez olharam para os documentos”.

“Só agora nos disseram que houve um problema com a transferência internacional do Banco e que o valor devido ao consulado português em Sydney não foi todo pago”, diz Marta. Mais. Ainda lhe explicaram que devia ter escrito no pedido que era “urgente” e que os documentos vão (só) agora seguir para Portugal — onde os prazos para a conclusão do processo podem variar entre os três dias e um mês. “Disseram-me que dependia de caso para caso, mas não me falaram de qualquer critério”, diz Marta.

Marta tem licença de maternidade até ao fim de junho. Enquanto espera que o seu filho seja reconhecido pela lei e que tenha uma identidade e uma nacionalidade, decidiu comprar viagens para os familiares mais próximos os poderem visitar. “Ainda por cima estamos sozinhos e precisávamos de ajuda.”

Secretaria de Estado diz que processo está quase finalizado

Contactada pelo Observador, a secretaria de Estado das Comunidades adiantou que o processo está a ser finalizado “do ponto de vista técnico e informático” e que a morosidade do processo “depende das competências atribuídas a cada categoria dos postos consulares e respetivas áreas de jurisdição a que estão adstritos”.

Numa resposta escrita enviada pelo assessor do secretário de Estado José Luís Carneiro, refere-se ainda que este processo é “um ato consular com grau de complexidade superior”.

Leia aqui a resposta da Secretaria de Estado das Comunidades:

Existe já um processo relativo ao Sebastião Silvestre Lopes no Consulado Geral de Portugal em Sidney (n.º 111/2016). O assento de nascimento está criado e inserido no SIRIC (Sistema Integrado de Registo e Identificação Civil) e em vias de ser finalizado do ponto de vista técnico-informático. Assim que o assento estiver finalizado (o que deverá ocorrer amanhã tendo em conta a diferença horária com a Austrália), o mesmo será integrado pela Conservatória dos Registos Centrais pois sendo o registo de nascimento de filho de português nascido no estrangeiro atributivo da nacionalidade, a respetiva integração no Registo Civil português é da competência exclusiva da Conservatória dos Registos Centrais e não do CG em Sidney.

Esclarece-se que a emissão de documento de identificação (BI) e documento de viagem (passaporte) será legalmente possível depois da integração do nascimento no ordenamento jurídico português.

Informamos, igualmente, que a morosidade no tratamento e resolução deste tipo de assunto depende das competências atribuídas a cada categoria dos postos consulares e respetivas áreas de jurisdição a que estão adstritos.

Acresce que o referido ato (registo de nascimento de filho de português nascido no estrangeiro atributivo da nacionalidade) é um ato consular com grau de complexidade superior comparativamente aos demais.

O Observador contactou ainda o Consulado Geral de Portugal em Sydney do qual aguardamos uma resposta, visto que dada a diferença horária já não se encontrava aberto até à hora de publicação deste artigo.