William Gadoury, um jovem agora com 15 anos, tinha uma hipótese: poderia relacionar a localização das cidades maias com a posição das estrelas e das constelações que hoje conhecemos. E feita essa relação, teria descoberto uma nova cidade daquela civilização, em plena floresta mexicana, comprovada por imagens do Google Earth. Depois de a notícia se tornar viral nos órgãos de comunicação social, os especialistas em civilização Maia começaram a alertar para as falhas nesta teoria.
“Não há razões para acreditar que isto [a descoberta do jovem] seja baseado em investigação científica”, diz ao Observador Harri Kettunen, presidente da Associação Europeia de Maianistas e investigador na Universidade de Helsínquia (Finlândia).
Em 2014, William Gadoury, aluno da Academia Antoine Manseau, em Joliette (Canadá), ganhou um prémio numa exposição de ciências. “Descobri que os maias e outras civilizações antigas posicionaram as suas cidades principais em função do posicionamento das estrelas e das constelações”, escreveu o jovem canadiano na descrição do projeto. “Segundo os meus cálculos, a concordância entre o posicionamento das estrelas e das cidades é mais de 95%.”
E aqui começam as críticas dos especialistas. É certo que dos milhares de livros maias que terão existido, apenas três terão chegado em condições aos dias de hoje. Desses três, o Codex de Paris (nomeado de acordo com a cidade onde está guardado) faz referências a constelações, afirma ao Observador Nikolai Grube, especialista em hieróglifos maias e professor na Universidade de Bona (Alemanha). “As constelações no Codex de Paris ainda não foram relacionadas com sucesso com as constelações que conhecemos [hoje em dia].”
Jayme Matthews, professor de Astronomia na Universidade da British Columbia (Canadá), conta ao Observador que as estrelas que se veem na península do Yucatan nos dias de hoje são iguais às que se viam no tempo dos maias, mas certamente que eram agrupadas em diferentes constelações. O investigador considera que para construir um mapa das cidades baseado num mapa de estrelas “não era preciso tecnologia avançada para o fazer, apenas esperteza, paciência e sorte com a geografia. E os nossos antepassados eram espertos e pacientes.”
Além disso, os maias eram conhecidos por serem bons astrónomos e por manterem registos precisos da Lua, de Vénus e talvez até de Marte. Considerando a precisão das observações astronómicas dos maias, Héctor Hernández Álvarez, arqueólogo da Universidade Autónoma do Iucatão (México), não considera a ideia descabida. “Atualmente, as novas tecnologias de deteção remota permitem identificar povoações e descobrir sítios que foram ocupados por grupos de humanos no passado”, diz citado pelo jornal Vern/El País. “O que tem de se confirmar é se isto realmente coincide com a ideia de que as cidades maias foram planeadas com base num ‘cosmograma’ [uma mapa bidimensional do cosmos].”
Harri Kettunen explica que: “No que diz respeito a constelações e estrelas, há algumas indicações de constelações representadas como animais, tanto nos códices maias como nos murais. Estrelas individuais provavelmente não, mas Vénus certamente que sim.” Mas acrescenta: “Nenhum destes elementos pode ser usado para encontrar padrões urbanos na região maia”. E o investigador explica porquê. Porque não existe este tipo de padrões.
O padrão para a construção das cidades maias estava relacionado, segundo Nikolai Grube, com “a disponibilidade de recursos, como água, bom solo e acesso a rotas comerciais”. “Mais, a maior parte das cidades que o jovem liga por linhas para mostrar que representam constelações, não são contemporâneas.”
@wgevans no he didn't https://t.co/F264MV0iEw
— Berend de Boer (@berenddeboer) May 11, 2016
William Gadoury será um dos muitos apaixonados pela civilização Maia e apesar da sua tenra idade decidiu apresentar uma teoria. Primeiro, localizou no Google Earth 117 cidades maias conhecidas, com grandes pirâmides. Depois, desenhou em folhas de acetato as constelações que os maias poderiam ver a partir do seu território. Por fim, comparou a forma e os ângulos das constelações com o padrão geográfico das cidades maias. A participação da Agência Espacial Canadiana neste trabalho limitou-se a fornecer as imagens de satélite, como confirma ao Observador.
Numa das constelações faltaria, alegadamente uma estrela, ou melhor, uma cidade correspondente. Analisando imagens de satélite, o jovem descobriu uma forma quadrangular que atribuiu a uma pirâmide maia, apresentando assim a descoberta de uma nova cidade. Mais, a pirâmide e a cidade seriam tão grandes que passaria a ser a quarta cidade maia mais importante.
“As formas geométricas, como quadrados ou retângulos, que aparecem nestas imagens, dificilmente podem ser atribuídas a fenómenos naturais“, diz Armand LaRocque, especialista em deteção remota da Universidade de New Brunswick (Canadá), citado pelo Le journal de Montréal. Mas o especialista também afirma que ainda não houve dinheiro para ir ao local confirmar a descoberta.
The supposed lost Mayan pyramid? More likely an abandoned field, experts say: https://t.co/wiTRCYh4gQ pic.twitter.com/W2Spv1UzzQ
— WIRED (@WIRED) May 11, 2016
Os especialistas que contrariam a ideia do jovem, não negam a existência da forma quadrangular, nem que seja de origem humana, mas apontam-na como um campo de milho. A nota de imprensa, a que o Observador não teve acesso, é apresentada pelos especialistas como falsa e incongruente.
“A localização dada no comunicado de imprensa para a nova cidade corresponde à região de Uxul, uma antiga cidade maia, onde a nossa equipa – da Universidade de Bona e do Instituto Nacional de Antropologia e História do México – está a trabalhar há vários anos”, refere Nikolai Grube. “Já encontrámos inclusivamente ruínas de antigas casas, aldeias, calçadas cerimoniais, aguadas e até mesmo centros urbanos.” Mas continua: “A pequena fotografia fornecida com o comunicado de imprensa, contudo, mostra um campo de milho antigo e abandonado, que provavelmente não tem mais de 5-10 anos“.
A região de Calakmul, Uxul e Tortuga onde se poderá encontra alegadamente esta nova cidade “está muito estudada desde a década de 1930 por investigadores mexicanos e não mexicanos”, afirma Rafael Cobos Palma, investigador na Universidade de Tulane (Estados Unidos), citado pelo jornal Verne/El País. “A proposta peculiar de explicar a distribuição espacial de povoações maias já se fez noutras ocasiões e, claro, movendo e jogando com o plano celestial qualquer um pode encontrar um sem número de arranjos espaciais que se assemelham ao que foi feito por humanos no nosso planeta.”
Porque é que os especialistas demoraram tanto tempo a denunciar o assunto? “Por ser uma noticia tão sem fundamento, na nossa opinião de especialistas, não demos de imediato a devida resposta de alerta, porque sempre pensámos que não iria sair do Canadá”, conta ao Observador José Miguel Silva, investigador do Centro de História da Universidade de Lisboa, agora a trabalhar na Guatemala.
Os especialistas nada têm a dizer sobre o jovem, apenas que é um apaixonado pela civilização Maia. “Uma vitima do processo de ‘viralização’ de notícias”, diz José Miguel Silva. Jayme Matthews só espera que os seus sonhos deste jovem de 15 anos não sejam destruídos pelos adultos.
O Observador tentou contactar William Gadoury e Armand LaRocque, mas até ao momento ainda não teve resposta.