“Muitas vezes digo na brincadeira que os transmontanos deviam fazer uma muralha da China em Trás-os-Montes para não deixarem passar alguma música que vem de lá, porque efetivamente é um prejuízo muito grande para a cultura portuguesa.”
“Vêm de excursões pessoas que nunca viram o mar, vêm ao Pavilhão Atlântico, pessoas assim medonhas e feias, desdentadas… E isto não é Portugal.”
A entrevista decorria normalmente, com José Cid a falar sobre as diferenças que vê na “música popular” e na “música populosa” quando lhe saíram as polémicas afirmações. Admitiu que por vezes, em tom de brincadeira, dizia que se devia fazer uma muralha da China em Trás-os-Montes para não deixar vir algumas músicas de lá. E continuou. Dizendo que os transmontanos são “pessoas medonhas, feias e desdentadas”. O entrevistador Nuno Markl sorriu e continuou a entrevista. Foi há seis anos, mas só agora incendiou as redes sociais.
O episódio do Showmarkl, um programa de entrevistas do comediante Nuno Markl de 2010, foi reposto pelo Canal Q este domingo. Um dos convidados era o músico José Cid, que a certa altura começou a falar sobre as diferenças entre a “música popular” e a “música populosa”. “Há música popular portuguesa fantástica, com muitas nuances que vão do Algarve ao Minho, passa por Trás-os-Montes. E é esse tipo de música que está a ser injustamente criticado”, explicou.
De seguida, confidenciava que entre amigos costumava dizer que se devia fazer uma muralha da China em Trás-os-Montes para travar algumas músicas que chegavam dali. Para, depois, se focar nos transmontanos: “Vêm de excursões pessoas que nunca viram o mar, vêm ao Pavilhão Atlântico, pessoas assim medonhas e feias, desdentadas… E isto não é Portugal.” Ainda lhe dizem que estas “pessoas” vêm por que gostam das músicas de José Cid. E o músico responde: “Preferia que não gostassem.”
O tom irónico levou Markl a esboçar um sorriso. E o sorriso custou-lhe agora a ira de vários utilizadores do Facebook que o insultaram. O comediante justificou-se por várias vezes e em várias publicações. E até ameaçou pôr um ponto final na sua página de Facebook. “É triste perceber que por causa de uma velha entrevista com o José Cid – em que me ri do que ele disse, porque é impossível uma pessoa não se rir com os delírios dele – sou o novo alvo a abater do Facebook, e por parte dos transmontanos, portugueses contra os quais nada tenho, só a favor (…)”.
Já a página de Facebook de Cid foi mesmo suspensa dada a chuva de insultos. E o cantor acabou a emitir um comunicado a pedir desculpa a todos os transmontanos e a quem se se sentiu insultado. “Injustamente, falei mal do público e do povo transmontano, apresento, por esta via, as minhas mais sinceras desculpas”, disse o cantor, que admitiu ter sido “um momento irrefletido”. No comunicado, enviado através da ACid Records, Cid pede um “imenso pedido de desculpas”.
Mas o pedido de desculpas parece ter caído em saco roto. No Facebook nasceram grupos contra o cantor e a unir transmontanos contra a mesma causa. Alguns ganharam mais de 7.000 apoiantes em menos de 24 horas. Nestes grupos são feitos vários insultos ao José Cid. Houve até quem criasse uma petição pública para obrigar o artista a pedir desculpa.
As consequências também já se refletiram a nível profissional. José Cid tinha um concerto marcado em Alfândega da Fé, mas acabou cancelado após decisão camarária. Segundo o jornal Mensageiro de Bragança, a presidente da câmara de Alfandega da Fé revelou esta segunda-feira que o concerto de José Cid, previsto para 11 de junho naquela vila foi cancelado. E será substituído por um outro grupo musical. Segundo Berta Nunes, a decisão foi tomada em reunião de câmara.
“Consideramos que as declarações do músico foram lamentáveis e infelizes e mínimo que se pede, é um pedido de desculpas aos transmontanos”, refere o jornal.
O presidente da Câmara de Bragança, Hernâni Dias, também reagiu às declarações de José Cid. “Como brigantino e transmontano” expressou “profundo desagrado, repúdio e desilusão pelas lamentáveis declarações”. O autarca disse que “os transmontanos sempre deram o seu melhor a favor do país, aliás como reza a História, onde grandes personalidades se destacaram em todas as áreas, desde a cultura, à música, à política, ao desporto, entre outras, situação que ainda hoje se mantém”.
As declarações de Cid têm seis anos e, nessa altura, não tiveram qualquer repercussão. Mas, agora vindas a pública, geraram polémica. Mas o que mudou neste anos? Para a socióloga Sofia Aboim “mudou tudo”. “Em Portugal já não é possível fazer graças como se fazia, as pessoas estão mais parecidas com as suas congéneres europeias. É uma sociedade mais parecida com a de Inglaterra”, diz. Por outro lado, sempre que as pessoas sentem a sua identidade “agredida”, respondem utilizando as redes sociais. O que faz dissipar mais a mensagem e fá-la chegar a um público muito maior.
Conta reaberta com novo pedido de desculpas
A conta de Facebook do artista foi entretanto reaberta. E foi lá que José Cid fez um novo pedido de desculpas. “Estive mal, e por isso pedi e peço desculpa publicamente”, disse. Mas deixou o aviso: “Receber ameaças de morte quer para mim quer para a minha família é que já não posso aceitar”.
<iframe src=”https://www.facebook.com/plugins/post.php?href=https%3A%2F%2Fwww.facebook.com%2Fjose.cid.musico%2Fposts%2F1064022013637143&width=500″ width=”500″ height=”277″ style=”border:none;overflow:hidden” scrolling=”no” frameborder=”0″ allowTransparency=”true”></iframe>
(artigo atualizado a 31/05/2016)